Senado aprova projeto que altera Lei de Drogas e facilita internação de usuários
Após manobra, texto que agora vai para sanção presidencial concentra tratamento em abstinência
O plenário do Senado aprovou nesta quarta (15) projeto que altera a Política Nacional de Drogas, após manobras para acelerar a votação. O texto segue para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
A proposta regula temas como internação compulsória de usuários de droga e o aumento da pena mínima para traficante que comandar organização criminosa, de 5 para 8 anos de reclusão.
Também incorpora ao Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas) as comunidades terapêuticas, instituições de cunho religioso que já foram acusadas de violação de direitos.
Defensor do projeto, o senador Eduardo Girão (Pode-CE) pediu aos colegas que a votação se realizasse nesta quarta por causa da proximidade do julgamento no Supremo Tribunal Federal que pode descriminalizar o uso de drogas, prevista para 5 de junho.
A decisão do Senado não interfere na matéria que será apreciada pela Corte. O projeto aprovado é de 2013 e de autoria do ex-deputado federal e atual ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS).
O texto foi relatado pelo senador Styvenson Valentim (Pode-RN), que desfez todas as alterações feitas pelas comissões da Casa nos últimos seis anos e retornou à proposta de Terra vinda da Câmara.
O projeto transforma em lei dispositivos da Política Nacional sobre Drogas, divulgada em abril pelo governo, ao modificar a Lei de Drogas, de 2006, e outras 12 legislações.
Em vez de focar políticas voltadas ao tratamento de saúde de usuários visando a redução de danos, o texto traz de volta a abstinência como objetivo do tratamento.
A internação involuntária por até 90 dias poderá ser pedida por familiar ou responsável legal, servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad e será formalizada por decisão médica.
Mas agora, para que o tratamento seja interrompido, será preciso solicitar ao médico —diferentemente do previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, que atribuía à família esse poder.
A especialista em política de drogas e professora da UnB Andrea Gallassi critica a mudança de entendimento. ”Quanto mais restritivo é o regime ao qual o usuário está submetido em uma internação, maior a possibilidade de violar direitos”, afirma.
É a “massificação de uma política higienista”, diz Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas. “Não é preciso ser muito esperto para saber que vai se intensificar o confinamento de usuários de drogas.”
Outra forma de atendimento prevista na norma é a das comunidades terapêuticas, que já recebem usuários, mas não se caracterizam como unidades de saúde, e sim estabelecimentos filantrópicos.
Hoje, há mais de 1.800 dessas comunidades no país. Relatório de 2017 da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas encontrou violações de direitos humanos em todas as 28 unidades visitadas.
“Este projeto representa um retrocesso. Ele não considera experiências de assistência à saúde mental a partir do monitoramento de avaliação de indicadores e que mostra que a rede de proteção psicossocial existente hoje, o trabalho integrado de ações de assistência social, de educação e de saúde são mais eficazes”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE), único a fazer críticas ao projeto na votação.
O projeto prevê a redução da pena quando o acusado não for reincidente e não integrar organização criminosa, ou se as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem menor potencial lesivo da conduta —a pena deverá ser reduzida de um sexto a dois terços.
No entanto, continua sem estabelecer critérios objetivos. Segundo o relator, caberá ao juiz avaliar caso ao caso. Críticos alegam que pode haver discrepâncias entre o que cada juiz ou policial considera tráfico, abrindo margem a tratamentos diferentes com base na classe social e cor da pele, por exemplo.
“Essa falta de um critério objetivo fez com que tivéssemos um superencarceramento até hoje”, afirma Maronna. Entre 2006, quando foi aprovada a Lei das Drogas, e 2016, o número de presos no país cresceu mais de 81%.
O texto também vai na contramão do relatório da ONU, de 2018, que propõe uma abordagem para controle de drogas baseada em políticas que foquem as pessoas, a saúde e os direitos humanos.