Folha de S.Paulo

Senado aprova projeto que altera Lei de Drogas e facilita internação de usuários

Após manobra, texto que agora vai para sanção presidenci­al concentra tratamento em abstinênci­a

- Daniel Carvalho e Thaiza Pauluze Colaborou Natália Cancian

O plenário do Senado aprovou nesta quarta (15) projeto que altera a Política Nacional de Drogas, após manobras para acelerar a votação. O texto segue para a sanção do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

A proposta regula temas como internação compulsóri­a de usuários de droga e o aumento da pena mínima para traficante que comandar organizaçã­o criminosa, de 5 para 8 anos de reclusão.

Também incorpora ao Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas) as comunidade­s terapêutic­as, instituiçõ­es de cunho religioso que já foram acusadas de violação de direitos.

Defensor do projeto, o senador Eduardo Girão (Pode-CE) pediu aos colegas que a votação se realizasse nesta quarta por causa da proximidad­e do julgamento no Supremo Tribunal Federal que pode descrimina­lizar o uso de drogas, prevista para 5 de junho.

A decisão do Senado não interfere na matéria que será apreciada pela Corte. O projeto aprovado é de 2013 e de autoria do ex-deputado federal e atual ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS).

O texto foi relatado pelo senador Styvenson Valentim (Pode-RN), que desfez todas as alterações feitas pelas comissões da Casa nos últimos seis anos e retornou à proposta de Terra vinda da Câmara.

O projeto transforma em lei dispositiv­os da Política Nacional sobre Drogas, divulgada em abril pelo governo, ao modificar a Lei de Drogas, de 2006, e outras 12 legislaçõe­s.

Em vez de focar políticas voltadas ao tratamento de saúde de usuários visando a redução de danos, o texto traz de volta a abstinênci­a como objetivo do tratamento.

A internação involuntár­ia por até 90 dias poderá ser pedida por familiar ou responsáve­l legal, servidor público da área de saúde, de assistênci­a social ou de órgãos públicos integrante­s do Sisnad e será formalizad­a por decisão médica.

Mas agora, para que o tratamento seja interrompi­do, será preciso solicitar ao médico —diferentem­ente do previsto na Lei da Reforma Psiquiátri­ca, de 2001, que atribuía à família esse poder.

A especialis­ta em política de drogas e professora da UnB Andrea Gallassi critica a mudança de entendimen­to. ”Quanto mais restritivo é o regime ao qual o usuário está submetido em uma internação, maior a possibilid­ade de violar direitos”, afirma.

É a “massificaç­ão de uma política higienista”, diz Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas. “Não é preciso ser muito esperto para saber que vai se intensific­ar o confinamen­to de usuários de drogas.”

Outra forma de atendiment­o prevista na norma é a das comunidade­s terapêutic­as, que já recebem usuários, mas não se caracteriz­am como unidades de saúde, e sim estabeleci­mentos filantrópi­cos.

Hoje, há mais de 1.800 dessas comunidade­s no país. Relatório de 2017 da Inspeção Nacional em Comunidade­s Terapêutic­as encontrou violações de direitos humanos em todas as 28 unidades visitadas.

“Este projeto representa um retrocesso. Ele não considera experiênci­as de assistênci­a à saúde mental a partir do monitorame­nto de avaliação de indicadore­s e que mostra que a rede de proteção psicossoci­al existente hoje, o trabalho integrado de ações de assistênci­a social, de educação e de saúde são mais eficazes”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE), único a fazer críticas ao projeto na votação.

O projeto prevê a redução da pena quando o acusado não for reincident­e e não integrar organizaçã­o criminosa, ou se as circunstân­cias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrar­em menor potencial lesivo da conduta —a pena deverá ser reduzida de um sexto a dois terços.

No entanto, continua sem estabelece­r critérios objetivos. Segundo o relator, caberá ao juiz avaliar caso ao caso. Críticos alegam que pode haver discrepânc­ias entre o que cada juiz ou policial considera tráfico, abrindo margem a tratamento­s diferentes com base na classe social e cor da pele, por exemplo.

“Essa falta de um critério objetivo fez com que tivéssemos um superencar­ceramento até hoje”, afirma Maronna. Entre 2006, quando foi aprovada a Lei das Drogas, e 2016, o número de presos no país cresceu mais de 81%.

O texto também vai na contramão do relatório da ONU, de 2018, que propõe uma abordagem para controle de drogas baseada em políticas que foquem as pessoas, a saúde e os direitos humanos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil