Tamas Rohonyi Não vamos fazer corrida de F-1 em nenhum outro lugar, só em São Paulo
Promotor do GP Brasil de F-1 nega que prova possa sair de Interlagos e vê com ceticismo possibilidade de construção de autódromo no Rio
A expectativa de que São Paulo e Rio de Janeiro travem uma batalha para receber a F-1 a partir da temporada 2021 é tratada com desdém por Tamas Rohonyi, 80.
Promotor do GP Brasil desde 1980 por meio da empresa Interpub, o empresário húngaro naturalizado brasileiro afirma que atualmente é impossível pensar em uma prova da categoria no Brasil fora do autódromo de Interlagos.
Na semana passada, o interesse do Rio em receber a F-1 voltou à tona com a assinatura, pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), de um termo de compromisso para levar o evento para um autódromo que ainda não saiu do papel na região de Deodoro (zona oeste da cidade).
O lançamento do edital, que ainda enfrenta questionamentos ambientais na Câmara Municipal, é visto com interesse pelo consórcio Rio Motorsports, liderado pelo empresário JR Pereira.
Até agora, esse grupo foi o único a manifestar interesse em investir no projeto e apresenta como trunfo um desenho do autódromo feito pelo escritório do arquiteto alemão Hermann Tilke, responsável pelos projetos de autódromos como os de Bahrein e Xangai, presentes na categoria.
“Ninguém sabe quem é esse grupo. A coisa toda é muito estranha”, afirma Rohonyi.
Em contato com a reportagem, JR Pereira disse que sua empresa estuda o negócio da F-1 há mais de quatro anos e que, se vencer a concorrência para construir o autódromo do Rio, o local estará pronto para receber a F-1 em 2020.
“Não sei de onde o senhor Rohonyi conhece a mim ou aos parceiros de nosso consórcio para avaliar nossas capacidades ou especialidades”, afirmou Pereira.
Como surgiu a possibilidade de a corrida deixar São Paulo e ir para o Rio de Janeiro?
O evento saiu do Rio [em 1990] porque a prefeitura não tinha recursos para manter o autódromo. Autódromo de F-1 é uma coisa que está em constante desenvolvimento, em função das novas exigências [da FIA, Federação Internacional de Automobilismo], e nada ilustra isso melhor do que São Paulo. Estamos no terceiro asfalto, com novas arquibancadas construídas e áreas de boxe reformadas.
Desde que voltamos para São Paulo, toda administração do Rio de Janeiro tenta obter o evento de volta por motivos óbvios, a promoção da cidade e uma receita considerável de impostos.
Eu conversei há quatro ou cinco anos com o [ex-prefeito] Eduardo Paes. Ele disse que precisava ter grandes eventos na cidade e perguntou qual a possibilidade de trazer a F-1. Disse que, para mim, São Paulo, Belo Horizonte ou Rio são a mesma coisa, mas que ele não tinha autódromo. Paes disse que iriam fazer um em Deodoro. Fomos lá com nossa equipe de engenharia e olhamos. Não é exatamente um local apropriado para um grande evento internacional, que traz milhares de estrangeiros que, normalmente, ficariam hospedados na zona sul ou na Barra da Tijuca. Falei para ele: isso não vai virar.
Não me surpreende que a Prefeitura do Rio vai tentar levar a corrida de volta para lá, eu acho legítima a tentativa.
Agora, evidentemente, olhamos essa questão de uma forma um pouco mais técnica do que um prefeito, um governador. O autódromo custaria US$ 200 milhões, fora a operação anual de um GP, cerca de R$ 30 milhões ou R$ 40 milhões, dependendo de quanto eles pagariam para os americanos [da empresa Liberty Media, dona da categoria]. Aí falamos com engenheiros especialistas e não entendemos qual o “business plan” sustentável nessa configuração.
O JR Pereira disse, em entrevista ao jornal O Globo, que São Paulo não está conseguindo pagar taxas para a F-1. Essa informação procede?
Não é verdade, pagamos a taxa da FIA. Nunca ficamos devendo para ninguém. Se eu não posso contar para você quanto pagamos, por confidencialidade contratual, ele seria a última pessoa a saber. Imagino que [JR Pereira] é uma pessoa de boa vontade, mas não é especialista também. Primeiro, seria muito difícil operar alguma coisa no Brasil, tributariamente, se você não tiver uma empresa brasileira [a Rio Motorsports tem sede nos EUA].
De qualquer forma, ele precisaria criar uma empresa. Posso dizer que temos mais de 250 pessoas que trabalham nisso há 20 anos ou mais, temos experiência e treinamento. No mês do GP, esse número chega a 8.500. Vamos dizer que, por um passe de mágica, resolvam fazer o autódromo. Para construir, precisa ter todo o projeto de construção e execução. Ele não tem. O que ele tem é um pré-projeto. Teria, agora, que encomendar um projeto executivo, com levantamento topográfico e tudo mais. Esse projeto vai para um departamento da FIA. Aí vão aliviar, fazer uma simulação e, se estiver tudo correto, podem dar o aval deles.
Eu fui responsável pelo GP da Hungria [em 1986]. Um país que era comunista, não tinha [órgão responsável por] meio ambiente, nada. E no Rio de Janeiro? Qualquer obra, seja para ampliar uma casa, precisa de uma série de licenças.
Qual motivação ou interesse pode ter levado o presidente Jair Bolsonaro a assumir um
termo para transferir a prova para Deodoro?
Imagino que o presidente, como qualquer pessoa na posição dele, segue uma orientação. Certamente, ele não pesquisou as regras da FIA. Ele, de boa fé, falou o que falou. Francamente, tenho a maior simpatia por ele.
Nos últimos anos a prova em Interlagos não contou com patrocinador e dependeu exclusivamente da venda de ingressos. Esse déficit preocupa?
O déficit em nada nos preocupa. Tudo é negociável. No fundo, quando você senta, perguntam: “Quem tem autódromo?” Temos um dos melhores do mundo e a organização do evento. E você? Tenho um plano. Um plano? Então faz o autódromo e depois nós conversamos. Quando você diz 2021, deveria ter um autódromo pronto em maio de 2020. E isso, esquece. Operar uma corrida de F-1 exige uma organização muito complexa, e nós temos. Não vamos fazer corrida em nenhum lugar, só em São Paulo. Não conseguimos em outros lugares.
Já foi cogitado pela própria Interpub ir para Florianópolis. Sair de São Paulo não é mais uma opção viável?
Corrida de rua [opção cogitada para Florianópolis] é um pouco mais fácil, mas não é tão simples. Florianópolis poderia ser interessante a longo prazo. Vamos supor, São Paulo vai renovar até 2023, mas não pretende continuar mais. Aí em 2024 acho que a gente conseguiria, talvez, estudar a possibilidade. Mas não é simples.
É interessante para a F-1 fazer uma espécie de leilão entre Rio e São Paulo?
Não acredito em leilão, não interessa para ninguém. Esse tipo de avaliação não é quem dá mais, é quem pode realizar. São Paulo, hoje, não tem concorrência nem aqui, nem na Argentina.
E se o consórcio investir pesado para levar o GP para o Rio de Janeiro?
Você conhece o Rio? Não paga. Ninguém sabe quem é esse grupo. A coisa toda é muito estranha, a palavra certa é estranha.