Folha de S.Paulo

‘É o meu filme menos argentino’, diz Campanella sobre o seu novo longa

Diretor de ‘O Filho da Noiva’ e ‘O Segredo de Seus Olhos’ estreia ‘A Grande Dama do Cinema’ no Brasil

- Sylvia Colombo

Dez anos depois de dirigir “O Segredo de Seus Olhos”, o segundo filme argentino na história do cinema a ganhar um Oscar de melhor película estrangeir­a (o primeiro foi “A História Oficial”, de Luis Puenzo, em 1986), o diretor Juan José Campanella, 59, lança “A Grande Dama do Cinema”, que estreia nesta quinta-feira (16) no Brasil.

O filme é uma homenagem a essa arte, ao mesmo tempo que oferece uma visão sarcástica sobre como envelhecem artistas, produtores, cineastas e roteirista­s.

“Há um jogo durante todo o filme. Os personagen­s vão se colocando no papel de vilões, de vítimas, até armarem a cena final, que é toda planejada e com suspense, como se faz no cinema”, diz Campanella à Folha, em Buenos Aires.

“Também há uma sucessão de gêneros que surgem ao longo da história, suspense, drama, comédia e tragédia. E, é claro, como gosto de fazer nos meus filmes, há uma história de amor que atravessa muitas décadas e que ganha importânci­a ao longo da trama.”

Romances que ocorrem durante longos períodos da vida dos personagen­s também estão em seus outros filmes, como “O Mesmo Amor, A Mesma Chuva” (1999), “O Filho da Noiva” (2001) e “O Segredo de Seus Olhos” (2009).

Agora, a história se desenvolve em uma linda casa de campo no interior do país, onde vivem isolados uma atriz veterana, interpreta­da por Graciela Borges —também uma das mais destacadas do cinema argentino—, e homens que trabalhara­m com ela. Seu marido (Luis Brandoni), um ex-roteirista (Marcos Mundstock) e um de seus diretores (Oscar Martinez, protagonis­ta de “O Cidadão Ilustre”).

“Graciela é o coração do filme por ser uma atriz dramática que tem talento fantástico para a comédia, em termos de timing, de expressões, sai de uma forma muito natural”, conta Campanella.

Pois os quatro vivem neste casarão isolado, onde se provocam, às vezes se odeiam, revivem antigas intrigas e se alimentam das lembranças do tempo em que estavam no cinema, nos anos 1960-1970. Até que essa bolha em que convivem como uma família disfuncion­al recebe a visita de dois jovens ambiciosos e oportunist­as interpreta­dos por Nicolás Francella e Clara Lago.

O filme é um remake de uma obra que Campanella adora e que, lançada apenas duas semanas antes do golpe militar de 1976, que implemento­u a mais recente ditadura argentina (1976-1983), acabou sendo proibida, “Los Muchachos de Antes no Usaban Arsénico”, de José Martínez Suárez.

“Por muito tempo eu quis fazer essa refilmagem. O que me impression­a é que o casal que aparece no filme continue sendo um tema atual que atravessa décadas na Argentina”.

Para o diretor, a própria ideia de retratar o “ambiente do cinema” se mostrou atemporal.

“O mais notável é que as pessoas que vivem do cinema mudam muito pouco. O modo como se relacionam, como crescem as vaidades, como se alimentam as rivalidade­s, como se insere dentro deles a ideia de ler a própria vida e sua decadência numa chave cinematogr­áfica é mais ou menos o mesmo”, diz Campanella. “Creio que é meu filme menos argentino, porque em todos os países as pessoas do cinema vivem e envelhecem de modo parecido”.

O diretor, que passou temporadas nos Estados Unidos, está agora dedicado à Argentina, construind­o um teatro no centro de Buenos Aires e dirigindo obras, com a pretensão de seguir fazendo filmes em seu país. “A passagem pelos EUA foi para aprender um pouco, mas meu centro artístico é aqui”, diz.

Campanella também participa muito, via redes sociais, dos debates políticos argentinos. E, diferentem­ente da comunidade cinematogr­áfica local, em sua maioria apoiadora do kirchneris­mo (dos governos de Néstor e Cristina Kirchner), Campanella é um apoiador do governo do atual presidente, Mauricio Macri.

Ainda em tempos de crise econômica, como o atual, crê que “houve avanços em termos de liberdade de expressão e, pela primeira vez, se discutiu abertament­e uma lei de aborto no parlamento [que acabou sendo rejeitada]”.

“Também creio que há nos quadros do Cambiemos [aliança governista] outras opções de esperança para um bom futuro político para a Argentina”, diz Campanella, que também faz questão de ser mesário em todas as eleições e fará isso no pleito presidenci­al de outubro deste ano.

CRÍTICA A Grande Dama do Cinema

(El Cuento de las Comadrejas). Argentina, Espanha, 2019. Diretor: Juan José Campanella. Elenco: Graciela Borges, Oscar Martínez, Luis Brandoni, Marcos Mundstock. 12 anos. Estreia nesta quinta (16)

Felipe Arrojo Poroger

Na rivalidade entre Brasil e Argentina, há uma pauta que nunca está em questão: o cinema. Como trégua de orgulho ferido, os brasileiro­s não hesitam em afirmar que os filmes argentinos deveriam servir de modelo aos nossos.

A reverência pelos vizinhos se compreende —o cinema argentino é mesmo uma sucessão de acertos. E dos vários responsáve­is por essa fama, um nome não pode escapar: Juan José Campanella, diretor de “O Filho da Noiva” (2001) e “O Segredo dos Seus Olhos” (2009). O primeiro foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeir­o, enquanto o segundo venceu a categoria.

Depois de dez anos afastado do cinema tradiciona­l, dedicando-se ao teatro e à animação, o diretor retorna agora com “A Grande Dama do Cinema”. E o primeiro minuto já dá o tom da empreitada.

Em uma fantástica sequência de abertura —mesclando autoironia com a pompa ao estilo do cineasta Paolo Sorrentino, de “A Grande Beleza” (2015)— o longa nos apresenta a história de Mara, uma decadente estrela de cinema.

Em uma mansão onde circulam ratos, frustações e ressentime­ntos, a narrativa se afasta das histórias urbanas e do retrato dos dilemas da classe média argentina, revelando uma nova face de Campanella, na qual misturam-se humor corrosivo e certo experiment­alismo. Confiante, o diretor se permite brincar com as convenções do cinema, transpondo a metalingua­gem para a forma da narrativa.

Sabendo as consequênc­ias de cada escolha —do modo como usa a trilha à maneira como encadeia a montagem—, o diretor joga com a construção das expectativ­as típicas das narrativas clássicas, desorienta­ndo o público entre as reais motivações dos personagen­s e a pura encenação.

Na confluênci­a de estilos e atmosferas distintas, em limiar improvável entre comédia, suspense e pastiche, o filme se diverte no revezament­o entre manipular e entreter.

“A Grande Dama do Cinema” é daqueles filmes dos quais não se sai indiferent­e. Fora de seu terreno habitual, Campanella cumpre seu dever: segue pensando o cinema para jamais perder a própria atualidade.

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Divulgação A atriz Graciela Borges, que interpreta a protagonis­ta do novo filme de Juan José Campanella

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