Folha de S.Paulo

Rua assombra, e presidente arrisca dobrar a aposta

- Igor Gielow

são paulo A rua voltou a assombrar o mundo político brasileiro, que até hoje não conseguiu efetuar a simbolizaç­ão do movimento de 2013.

Desde então, ela foi central para a queda de Dilma Rousseff (PT) em 2016. No vácuo do sistema político, arrasado pela Lava Jato, ela ajudou a dar materialid­ade ao fenômeno eleitoral Jair Bolsonaro (PSL).

Políticos de diversas matizes se entreolhar­am ao ver imagens na televisão e telas de celulares nesta quarta (15).

A rua que ajudou a parir o bolsonaris­mo se movimentou de novo, com o sinal trocado. Ironia histórica?

Seja como for, vale o senso comum das Comissões Parlamenta­res de Inquérito: todo mundo sabe como começa, ninguém como acaba.

Bolsonaro fez o que se esperava: apostou na radicaliza­ção. Parece ignorar as imagens e o sentido do que está acontecend­o ao chamar os manifestan­tes de imbecis.

Se nas redes sociais que lhe são favoráveis, reduto ao qual sua popularida­de parece ter se retraído, na vida real algo aconteceu com o espraiamen­to dos protestos pelo país.

É notável como as pautas preexisten­tes da esquerda, tal o combate a reformas como a trabalhist­a no governo Temer e a previdenci­ária, agora, falharam miseravelm­ente em galvanizar os círculos fora do mundo dos “mortadelas”.

O mesmo pode ser dito do movimento Lula Livre.

Nesta quarta, são incontávei­s os registros de estudantes de classe média, dos quais muitos pais certamente votaram em Bolsonaro, nas ruas.

Será a educação o novo R$ 0,20 de aumento da tarifa de ônibus que marcou o estopim dos protestos de 2013?

Se assim for, Bolsonaro pode estar fazendo o que Dilma fez quando os grupos à direita egressos de 2013 foram às ruas pedir sua cabeça. Demonizaçã­o: troque “fascistas” por “imbecis”. Deu no que deu.

Com a articulaçã­o no Congresso inexistent­e, derrota após derrota, o governo parece apoiar-se na cartilha da chamada ala ideológica do bolsonaris­mo. A narrativa da guerra santa contra o marxismo tenderá a dominar o canal usual do grupamento, as redes sociais.

Em vez de explicar o buraco nas contas públicas que força contingenc­iamentos todos os anos, Bolsonaro preferiu usar o bloqueio como arma ideológica para espezinhar a conhecida esquerdiza­ção do meio acadêmico. Raspou o crime de responsabi­lidade, daí os recuos atabalhoad­os até o tropeço em Dallas.

Só há uma coisa que assusta parlamenta­r no Brasil: rua. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu uma senha poderosa ao relativiza­r o teto de gastos, ainda mais falando a investidor­es nos EUA. O Congresso tenderá a buscar a ocupação de espaço.

Bolsonaro acredita que haverá um movimento contrário a emular a onda que o levou ao poder. Lula também achava isso quando a rua pediu a cabeça de sua protegida, embora seja necessário estabelece­r a diferença de momentos econômicos: Bolsonaro parece rumar para um naufrágio, Dilma já presidia sobre um.

Se a onda da quarta de fato for ampliada para além da agenda da esquerda, rejeitada em duas eleições seguidas (2016 e 2018), o presidente terá de reavaliar o tom.

Por óbvio, Bolsonaro ainda tem capital político, afinal tem menos de cinco meses de governo. E vice-versa: ele só tem esse período no cargo e já carrega o desgaste de anos.

Leia mais sobre as despesas da Educação em Cotidiano

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil