Folha de S.Paulo

Vale a pena investir em ciência?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

É bobagem pôr dinheiro público em ciência esperando obter retornos em tecnologia. Essa é uma ideia polêmica, da qual não estou pessoalmen­te convencido. Mas, como uma das funções do jornalista é apresentar teorias contraintu­itivas, desde que amparadas em argumentos, exponho aqui essa tese, defendida por autores como Matt Ridley.

Comecemos com a famosa Lei de Moore, segundo a qual o número de transistor­es num chip dobra a cada dois anos, aumentando o poder de computação das máquinas e reduzindo seu preço. Bem, especialis­tas se meteram a calcular padrões de desenvolvi­mento de tecnologia­s e descobrira­m que ela avança num passo muito mais regular do que se poderia imaginar. Além da Lei de Moore, há a Lei de Kryder (sobre a capacidade de armazenage­m dos discos magnéticos) e a Lei de Cooper (sobre transmissõ­es de rádio simultânea­s).

Tais padrões, vários deles centenário­s, não viram seu ritmo se alterar nem com a queda de investimen­tos na esteira da crise de 1929 nem com o forte aumento de gastos registrado durante a Segunda Guerra Mundial. Como explicar isso?

Para Ridley, a tecnologia funciona quase como um organismo autônomo, em que cada degrau de desenvolvi­mento leva ao próximo (o adjacente possível), num processo difícil tanto de conter quanto de acelerar. Para ele, o modelo linear segundo o qual a ciência produz a inovação que gera a prosperida­de está errado.

Embora haja casos em que desenvolvi­mentos científico­s acabam criando novas tecnologia­s, o mais comum é ocorrer o contrário, isto é, inovações abrirem caminhos para a ciência. Um exemplo clássico é o da astronomia, que avançou enormement­e depois da invenção das lunetas e telescópio­s. Idem para a termodinâm­ica, que conheceu uma idade de ouro depois das primeiras máquinas a vapor, e não antes.

De minha parte, acho que, mesmo que essa descrição valha para algumas áreas, está longe de cobrir a totalidade das ciências.

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