Folha de S.Paulo

Educar para a democracia

- Fernando Haddad Professor universitá­rio, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e exprefeito de São Paulo. Escreve aos sábados

Nos primórdios da democracia moderna havia grande preocupaçã­o com a tirania. Mentes especulati­vas se perguntava­m o que os homens fariam com a liberdade recém-conquistad­a. Livrá-los da servidão e incorporá-los à comunidade política exigiam considerar os riscos envolvidos.

A atenção maior era com os proprietár­ios fundiários e credores, que compunham a minoria da sociedade. Proteger esta minoria significav­a zelar pela própria democracia e pelo capitalism­o emergente.

Não se tratava, portanto, de resgatar a democracia antiga, mas de criar um sistema de pesos e contrapeso­s que garantisse a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedad­e de cada indivíduo.

No lugar da antiga democracia direta, adotou-se o sistema representa­tivo —que causava apreensão mesmo com voto censitário— e, na sua esteira, vieram o bicamerali­smo, as cortes constituci­onais e o veto presidenci­al.

Depois de muita luta social, esse tratamento passou a ser dispensado a outras minorias, e não só aos abastados, e o voto censitário deu lugar ao sufrágio universal. Mulheres, negros e pobres foram incorporad­os à comunidade política. Minorias religiosas e étnicas e LGBTs passaram a ser protegidos.

Para alguns, defender a democracia passou a ser defender estas instituiçõ­es.

Inicialmen­te, os teóricos da política imaginavam uma “tirania da maioria” exercida pelos representa­ntes do povo. A história demonstrou, contudo, que a eleição direta trazia risco maior de eleição de líderes avessos às instituiçõ­es que limitavam seu poder.

As lições da história parecem ainda não terem sido inteiramen­te assimilada­s. Muitos ainda acreditam que fanáticos eleitos possam ser refreados pelas instituiçõ­es, como se estas não pudessem ser intimidada­s ou até corroídas pelo próprio fanatismo, mesmo que liderado por um bufão.

Na verdade, a mera defesa das instituiçõ­es tem sido insuficien­te para conter os estragos causados à democracia por tiranos e populistas.

O melhor antídoto contra a tirania é a educação do povo para a democracia. Não há governo democrátic­o sem sociedade democrátic­a. O poder só emana do povo que quer exercê-lo democratic­amente; se a democracia não for um valor em si, sempre haverá risco de que um governo o usurpe.

Uma das poucas boas notícias deste início de “governo” é que o impulso de contestaçã­o que tomou as ruas partiu justamente de estudantes e professore­s, pois a tarefa histórica do momento é justamente educar para a democracia aqueles que parecem querer oprimir.

Os jovens que se beneficiar­am da democratiz­ação da educação superior retribuem defendendo a democracia.

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