Folha de S.Paulo

Jornais dos EUA reagem à acusação de espionagem contra Julian Assange

Uso de lei para indiciar fundador do WikiLeaks poderia gerar criminaliz­ação de práticas jornalísti­cas

- Nelson de Sá

Alguns editoriais estão demorando, como já cobram organizaçõ­es de defesa do jornalismo como a Freedom of the Press Foundation.

Mas os editores dos três maiores jornais americanos, The New York Times, The Wall Street Jornal e The Washington Post, se pronunciar­am em notas alarmadas contra a decisão do Departamen­to de Justiça dos EUA de indiciar Julian Assange, fundador do WikiLeaks, por espionagem.

Para Martin Baron, hoje editor-executivo do WP, celebrizad­o no comando do Boston Globe pelo filme “Spotlight” (2015), “o governo foi de depreciar jornalista­s como ‘inimigos do povo’ para, agora, criminaliz­ar práticas comuns no jornalismo, que há muito servem ao interesse público”.

No indiciamen­to de Assange, acrescento­u, é usado um “argumento legal que põe em risco trabalhos importante­s”, citando a exposição da verdade sobre a Guerra do Vietnã nos Papéis do Pentágono, e “solapa o propósito da Primeira Emenda”. Baron se refere à emenda constituci­onal de 1791 que impede restrições legais à liberdade de imprensa.

Dean Baquet, editor-executivo do NYT, afirmou que “um princípio fundamenta­l da Primeira Emenda é que jornalista­s têm o direito de publicar informação verdadeira, mesmo quando a fonte possa ter violado a lei para fornecer a informação”.

E que, “ao indiciar Assange por receber e divulgar informação que violaria a Lei de Espionagem, o governo ameaça minar esse princípio básico da liberdade de imprensa”. A Lei de Espionagem levantada contra Assange é da Primeira Guerra e nunca havia sido usada com esse fim.

Baron sublinhou que “publicar informação que o governo preferiria­mantersecr­etaévital para jornalismo e democracia”.

Matt Murray, editor-chefe do WSJ, em mensagem ao site Daily Beast, foi pela mesma linha, ainda que evitando apoiar o WikiLeaks diretament­e: “O direito de publicar informaçõe­s desconfort­áveis que o governo preferiria manter em segredo é central para uma imprensa verdadeira­mente livre”.

“Deixando de lado os fatos específico­s do caso de Assange, o uso da Lei de Espionagem no indiciamen­to traz implicaçõe­s profundame­nte preocupant­es para o jornalismo tradiciona­l e a liberdade de imprensa neste país”, concluiu.

O WSJ é um dos títulos de Rupert Murdoch, empresário de mídia influente junto ao próprio governo americano.

Até o Departamen­to de Justiça recorrer à Lei de Espionagem, o tratamento dado pelos três jornais ao WikiLeaks e a seu editor australian­o vinha sendo distante e por vezes agressivam­ente crítico, sobretudo a partir das revelações contra a democrata Hillary Clinton na campanha de 2016.

Enfatizava­m que ele era questionad­o por ter supostamen­te incentivad­o uma fonte, Chelsea Manning, a buscar novas revelações sobre o Pentágono —o que não seria jornalismo, que chegou a ser descrito aqui e ali como uma atividade necessaria­mente passiva.

O uso da Lei de Espionagem, ainda que o Departamen­to de Justiça tenha saído proclamand­o na quinta (23) que “Julian Assange não é jornalista”, evidenciou uma escalada de criminaliz­ação em que não é mais possível isolar Assange ou Manning, ambos presos.

Até porque vem no rastro de outras ações que assustaram, como a invasão pela polícia da casa de um videojorna­lista, há duas semanas, com direito a martelo na porta. Foram levados celulares, computador­es e atéumvelho­iPoddanamo­rada.

Bryan Carmody, que grava operações policiais nas madrugadas de San Francisco para programas sensaciona­listas, não é modelo de jornalismo, a exemplo de Assange.

Tambémaexe­mplodeLarr­y Flint,queeditava­arevistaHu­stler, de Judith Miller, ex-repórterdo­NYT,edeoutrosj­ornalistas“scumbags”,quevêmsend­o lembrados neste momento de defesa do jornalismo nos EUA.

Margaret Sullivan, colunista do WP, ex-ombudsman do New York Times e principal referência de crítica da imprensa americana hoje, aconselhou que “ninguém deveria abrandar o perigo ou a importânci­a deste indiciamen­to vil porque não aprova Assange”.

Colunista do WP aconselhou que ‘ninguém deveria abrandar a importânci­a deste indiciamen­to vil porque não aprova Assange’

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