Livro explora armadilhas de comportamento que levam a gasto por impulso
Relatividade de preços em promoções e contabilidade mental podem levar ao consumo exagerado, dizem autores de ‘A Psicologia do Dinheiro’
Uma pessoa que tem uma ótima relação com o dinheiro é aquela que não é afetada por forças externas, que sabe exatamente o que quer para sua vida e que faz escolhas corretas pensando tanto no hoje quanto no amanhã. Essa pessoa não existe.
A afirmação é do colunista da Folha Dan Ariely, professor de economia comportamental e psicologia na Universidade Duke.
Em passagem por São Paulo, ele comentou alguns pontos do seu mais recente livro, “A Psicologia do Dinheiro”, uma parceria com o comediante e especialista em finanças e política Jeff Kreisler. A obra deve chegar às livrarias na primeira semana de junho, mas já está em pré-venda.
No início da obra, Ariely e Kreisler afirmam que não a propõem como um guia de educação financeira, mas sim como um compilado sobre erros comuns na relação entre ser humano e dinheiro.
São situações que, em um primeiro instante, podem parecer triviais e óbvias, mas que, se olhadas por diferentes ângulos, permitem interpretações curiosas sobre como emoções inflam ou murcham valores.
É o caso do comportamento bastante comum de categorizar o dinheiro e fazer contas de cabeça para dar significados e justificativa a valores, o que os autores chamam de contabilidade mental.
Um exemplo dado por eles é o da perda de um ingresso de teatro que custou R$ 100. Se quem adquiriu o bilhete o perde e percebe isso só quando chega ao teatro, dificilmente vai pagar por uma nova entrada e desiste de ver a peça.
Porém, se uma pessoa decide ver uma peça, mas deixa para comprar o ingresso na hora e, ao abrir sua carteira, percebe que perdeu uma nota de R$ 100 dos R$ 200 que tinha, ela deixa de assistir ao espetáculo? Segundo os autores, a maioria das pessoas pagaria mesmo assim. “Afinal, o que perder uma nota tem a ver com ir ao teatro?”, questionam os autores.
Apesar de as reações serem distintas, Ariely e Kreisler lembram que as situações são semelhantes: em ambas há um plano de assistir a um espetáculo e a perda de um papel no valor de R$ 100.
Casos reais ou “baseados em fatos reais” são apresentados nos dez tópicos distribuídos ao longo de duas das três partes do livro (a última parte fica reservada a conselhos).
Um dos tópicos refere-se a custos de oportunidade —o que se deixa de lado ao comprar outra coisa—, que costumam ser ignorados diariamente nas transações.
Outro trata da questão das promoções e da relatividade dos preços —uma camisa de R$ 200 ter desconto de R$ 80 soa bem, mas é preciso considerar que seu preço de R$ 120 pode ser alto em relação a outras camisas, na explicação dos autores.
Engana-se, contudo, quem pensa que, ao ler a obra e conhecer os cenários que engatilham comportamentos errados, passará a ter ótima relação com o dinheiro. Para Ariely, isso não existe.
“O que faz dos nossos comportamentos melhores são as regras. Eu, por exemplo, tento usar um cartão de débito prépago para todos os meus gastos discricionários. Esse mecanismo me ajuda, mas isso não quer dizer que eu tenha ótima relação com o dinheiro.”
Sobre o aumento de livros relacionados a finanças e economia comportamental nos últimos anos, Ariely diz que isso decorre do interesse despertado pela preocupação com o aumento da longevidade e dos sistemas de aposentadorias insustentáveis.
Mas, quando lhe foi perguntado se o aumento do interesse por educação financeira aprimoraria a relação das pessoas com o dinheiro, ele se mostrou pessimista.
“Acredito que só vai piorar. Porque a expectativa de vida vai continuar a crescer, e as seguranças de trabalho cairão com a indústria 4.0 roubando cada vez mais empregos. Então teremos vidas mais longas e mais desemprego: é isso que o futuro nos guarda.”