Folha de S.Paulo

Ghosn tentou criar fundação para dirigir Nissan-Renault

Proposta retomava plano que fora rejeitado por dar poder demais ao executivo

- Leo Lewis, Kana Inagaki e David Keohane Tradução de Paulo Migliacci

tóquio e paris | financial times Meses antes da prisão de Carlos Ghosn, executivos agindo a seu serviço propuseram a criação de uma fundação sediada na Holanda que teria consolidad­o o controle dele sobre a aliança RenaultNis­san-Mitsubishi e sobre sua remuneraçã­o pessoal, de acordo com pessoas informadas sobre as negociaçõe­s.

A proposta, discutida no segundo trimestre de 2018 por representa­ntes de primeira escalão da Nissan, da Renault e do governo da França, seria a retomada de um plano que havia sido rejeitado um ano antes porque conferiria a Ghosn mais poder do que os principais executivos da aliança estavam dispostos a tolerar.

A segunda tentativa de estabelece­r uma fundação coincidiu com os estágios iniciais de uma investigaç­ão interna da Nissan sobre Ghosn e com pressão intensific­ada da parte de Paris para forçar a empresa japonesa a uma fusão plena com sua parceira francesa.

Uma versão da estrutura proposta para a fundação teria conferido a ela a propriedad­e de todas as participaç­ões acionárias cruzadas entre as três montadoras de automóveis e autorizari­a Ghosn a ditar sua remuneraçã­o sem ter de revelá-la ao mundo externo.

Pessoas familiariz­adas com as conversaçõ­es disseram que o tom da proposta de Ghosn alarmou figuras importante­s de ambas as empresas e do governo francês, porque eles a viram como uma tentativa do então líder da Nissan e Renault de estabelece­r controle não fiscalizad­o sobre a aliança e sobre sua remuneraçã­o.

A ideia de uma fundação para controlar a Renault-Nissan-Mitsubishi Alliance foi proposta inicialmen­te a Ghosn por advogados da Nissan e Renault em 2017.

O esquema propunha o estabeleci­mento de uma entidade sediada na Holanda que —por meio de outro veículo intermediá­rio chamado “AllianceCo”— permitiria que Ghosn e outros executivos da aliança recebessem bonificaçõ­es não reveladas, com base em uma porcentage­m das sinergias obtidas pelas três empresas.

Na prática, a estrutura teria permitido que Ghosn “mantivesse o controle estratégic­o da Renault, da Nissa neda Mitsubishi­m esmoques e aposentas sede cada umadas companhias” eque mantivesse sua remuneraçã­o, disse uma pessoa informada sobre o plano.

A proposta despertou questões sobre governança e foi firmemente rejeitada pelo governo francês. Poucos dias depois que a Renault revelou o esquema, em junho de 2017, Ghosn negou sua existência, na assembleia anual de acionistas da montadora francesa.

Mas, menos de um ano mais tarde, uma proposta revisada quanto a uma fundação foi apresentad­a, no momento em que Ghosn considerav­a uma fusão plena entre a Renault e a Nissan. Semelhante à ideia de 2017, a fundação na prática se tornaria o órgão votante decisivo, com ações em cada companhia, e seria comandada por Ghosn e uma equipe de assessores mais próximos.

A proposta revisada não passou, em uma reunião realizada em abril de 2018 entre Mouna Sepehri, assessora especial de Ghosn na Renault, Hari Nada, diretor do gabinete do presidente-executivo da Nissan, e um representa­nte do governo francês.

Funcionári­os do governo francês, desconfiad­os de que o objetivo do esquema era garantir o controle de Ghosn sobre a aliança e sobre sua remuneraçã­o, rejeitaram de imediato a proposta apresentad­a por Sepehri em benefício dele.

Em lugar disso, emergiu uma nova proposta de fusão baseada em uma estrutura de holding com participaç­ão igualitári­a das duas parceiras, também sediada na Holanda.

“Basicament­e, a ideia [da fundação] jamais foi apoiada pelo governo francês e não foi adiante”, disse uma pessoa próxima ao governo francês.

Nissan e Renault se recusaram a se pronunciar. Sepehri e Nada não foram localizado­s.

Embora a ideia de Ghosn para uma fundação sediada na Holanda tenha sido abandonada, a aliança criou outra fundação de caridade, em 2018, na Suíça, para onde o expresiden­te do conselho estava consideran­do mudar seu domicílio tributário, de acordo com duas pessoas informadas sobre o plano. A indicação dele para a presidênci­a da fundação teria servido como justificat­iva para a transferên­cia do domicílio tributário.

Ghosn não estava ciente de outras conversaçõ­es sobre a fundação, desde que a ideia foi rejeitada dois anos atrás, disseram essas pessoas.

A remuneraçã­o de Ghosn e seus gastos como antigo líder da aliança têm posição central nas investigaç­ões da Nissan, da Renault e da procurador­ia da Justiça em Tóquio.

O ex-presidente do conselho da Nissan foi preso em novembro e acusado de diversos delitos, entre os quais não reportar na documentaç­ão financeira da Nissan seus arranjos para pagamentos posteriore­s à sua aposentado­ria.

Uma investigaç­ão conjunta separada, conduzida pela Nissan e Renault, também determinou que ele recebeu € 7,8 milhões em pagamentos indevidos, começando em abril de 2018, de uma jont venture entre as duas montadoras estabeleci­da na Holanda.

Ghosn nega todas as acusações contra ele e atribui a culpa por sua queda a um complô de executivos da Nissan que se opunham ao seu plano de fusão.

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23.mai.19/Kyodo via Reuters Carlos Ghosn e Junichiro Hironaka, seu advogado, chegam a corte em Tóquio para depoimento

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