Zeca Pagodinho e Raça Negra dividem a noite
Artistas, que nos anos 1990 simbolizaram rixa no samba, vão se apresentar um após o outro em shows neste sábado
O que é pagode, afinal? Originalmente nome dado a festas em casas e quintais, o termo acabou servindo para representar uma geração de sambistas dos anos 1980, como Zeca Pagodinho, mas também batizou o samba romântico da década seguinte.
Zeca se encontra neste sábado (25) com o Raça Negra para uma noite de música na Estância Alto da Serra, em São Bernardo do Campo.
Mais do que a convergência de duas vertentes representativas do samba, o encontro joga luz em um momento delicado da história do gênero: enquanto os cariocas defendiam a tradição das rodas e instrumentos acústicos, os paulistas abraçavam o romantismo e a produção pop.
“Nós viemos com uma proposta nova: falar de amor”, conta Luiz Carlos, vocalista do Raça Negra, que lançou seu primeiro álbum em 1991.
Até então, o pagode era uma vertente do samba desenvolvida no bloco Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, e que abria espaço para instrumentos como o banjo e o tantã. A cena era dominada por Fundo de Quintal, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Jorge Aragão e Beth Carvalho, além do próprio Zeca Pagodinho.
Paralelamente, o sertanejo abandonava a música caipira tradicional para dominar as rádios com uma estética mais processada e letras sobre corações partidos. “Claro que fomos influenciados todos por eles, principalmente Chitãozinho e Xororó”, conta Luiz Carlos.
Além do sertanejo, nas palavras do vocalista, “o Raça Negra conseguiu misturar o romantismo do Roberto Carlos com o gingado do Jorge Ben Jor”. A “sofrência” e a estética pop —recheada de teclados e guitarras— eram as apostas das gravadoras para o samba naquela época.
Com um disco por ano, o grupo levou o samba romântico às rádios, tendo a faixa “É Tarde Demais” tocada 600 vezes em um mesmo dia. Não só isso, abriu caminho para outros grupos, como Só Pra Contrariar, Art Popular, Exalta samba e toda ageração do pagode dos anos 1990 —incluindo o pagodão baiano de Terra Samba eÉoT chan.
Na faixa “Formiga Miúda / Shopping Samba”, do disco “Boêmio Feliz” (1989), Zeca diz que“está cheio de enganador por aí ”. Aletra fala que “tem malandro enrolando demais” —Wilson Moreira, que faz uma participação, canta sobre “afoxé da Argentina” e “rock and roll da Cochinchina”. Zeca encerra com “é pagode de Seul, não vai sobrar nada pra ninguém”.
A biografia de Zeca, “Deixa o Samba Me Levar”, trata “Formiga Miúda” como uma premonição. “No ano seguinte, apareceria um grupo chamado Raça Negra, tocando um ‘samba diferente’. E isso ia afetar diretamente a carreira dos sambistas cariocas.”
O choque era claro. Zeca representava a figura do carioca boêmio que nunca se envergonhou de aparecer em cena com um copo de cerveja na mão. Já o Raça Negra queria ser levado a sério.
“Quando começamos, o sambista era associado a botecos e viam muita malandragem”, recorda Carlos. “Malandro significa ‘aquele que não trabalha e lança mão de recursos engenhosos, condenáveis, para viver’. Nunca fomos esse tipo de malandro.”
Apesar de evidentes, os embates entre o pagode carioca dos anos 1980 e o paulista dos anos 1990 não eram explícitos. Segundo o líder do Raça Negra, “[os sambistas] não tinham preconceito com a nossa música, até porque as nossas referencias eram outras”.
Décadas depois, as arestas estão aparadas. Zeca teve um sucesso estrondoso no começo dos anos 2000, com o hit “Deixa a Vida Me Levar” e o disco “Acústico MTV”. Apesar de carregar o pagode no nome, hoje, ele é visto mais como sambista de raiz.
O Raça Negra entrou para a história como um dos maiores ícones do pagode romântico, ainda um gênero de sucesso com gente como Thiaguinho e Ferrugem.
Apesar disso tudo, Luiz Carlos rejeita o termo. “Ainda prefiro achar que fazemos samba romântico”, diz. “O Raça Negra só seria pagode se considerasse a descrição da palavra no dicionário, que diz ‘grande festa’. Nesse sentido, fazemos pagode mas, se formos levar para esse lado, o axé, o sertanejo e toda música é pagode.”
Zeca Pagodinho + Raça Negra
Sáb. (25), às 20h, na Estância Alto da Serra (estrada Névio Carlone, 3, Riacho Grande, São Bernardo do Campo). Ingr.: de R$ 30 a R$ 300