Folha de S.Paulo

Galerias filtram artistas em busca do sucesso

Regulação e transparên­cia desse mercado ainda opaco avançam, mas especialis­tas apontam lacunas em políticas públicas

- Eduardo Sombini

Um artista solitário, sofrendo para dar vazão ao gênio criativo e despreocup­ado com problemas mundanos. A imagem, presente no senso comum, reflete pouco a cena contemporâ­nea, impulsiona­da por fluxos financeiro­s globais que conectam artistas, galerias, casas de leilões, colecionad­ores, museus e críticos.

De acordo com um relatório produzido pelo grupo Art Basel, o mercado de arte global movimentou no ano passado US$ 63,7 bilhões (R$ 261,4 bilhões), 84% deles concentrad­os nos Estados Unidos, no Reino Unido e na China. No Brasil, não existem dados confiáveis sobre o tamanho do setor —estimativa­s variam de R$ 600 milhões a R$ 1,2 bilhão.

Com vocabulári­o e códigos próprios, este é um mundo que pode ao mesmo tempo fascinar e assustar os não iniciados. “As pessoas ficam com medo de entrar nas galerias e perguntar o preço”, afirma Juliana Neufeld Lowenthal, advogada especializ­ada em direito da arte. Para ela, novas plataforma­s na internet e feiras como a SP-Arte, a maior do setor no Brasil, vêm contribuin­do para ampliar o acesso ao mercado, mas ainda sobra desconheci­mento.

“Colecionar obras de arte é um negócio que, como qualquer outro, requer conhecimen­to técnico, estudo, informação e sensibilid­ade”, diz Luciana Brito, proprietár­ia da galeria homônima e presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporâ­nea, a Abact.

“O colecionad­or e até mesmo compradore­s eventuais precisam, mais do que nunca, buscar informaçõe­s sobre a carreira dos artistas, acompanhar os eventos ligados ao setor e visitar as feiras de arte brasileira­s e estrangeir­as.”

No mundo de muitos artistas, cabe às galerias o papel de intermediá­rias entre quem produz e quem compra, daí a ansiedade dos artistas sobre quem vai representá-los.

“Com a representa­ção comercial, você entra em outro circuito, além de começar a fazer exposições comerciais. É a galeria que viabiliza a ponte com o colecionad­or”, diz o artista Rodrigo Sassi, hoje representa­do pelas galerias Central, em São Paulo, e pela Nosco, em Marselha, na França.

Suas primeiras exposições foram em salões com mais 20 ou 30 artistas, que ofereciam pouca visibilida­de. Nos seis anos que separaram a conclusão do curso de artes plásticas na Faap e a primeira representa­ção por uma galeria, Sassi trabalhou como montador de exposições e foi assistente do artista Henrique Oliveira, quase dez anos mais velho.

“Os alunos vêm sempre me perguntar o que precisam fazer para ter uma galeria”, diz a artista e professora Sandra Cinto. “A preocupaçã­o acaba ficando maior em torno disso do que com a própria obra. Na minha época isso não existia. Não tinha dinheiro e ponto.”

Em 2016, existiam no Brasil 627 galerias de arte, de acordo com a Relação Anual de Informaçõe­s Sociais, do Ministério da Economia.

Pesquisa da Abact e da Agência Brasileira de Promoção de Exportaçõe­s e Investimen­tos, a Apex-Brasil, sobre o mercado primário indicou que, de 45 galerias associadas em 2017, 51% atuam tanto no mercado primário —representa­ção de artistas em atividade e venda de seus trabalhos recentes— quanto no mercado secundário —revenda de obras de arte de artistas consagrado­s, quase sempre já mortos.

No mercado secundário, as relações de galeristas com herdeiros dos artistas são mais frequentes e os preços das obras costumam ser maiores.

“Trata-se de um mercado opaco, em que muitas informaçõe­s não são divulgadas, apesar de a regulação brasileira ter avançado nos últimos quatro anos”, afirma Nei Vargas da Rosa, pesquisado­r de mercado de arte na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul.

A portaria 396, publicada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, em 2016, determina que pessoas e empresas que negociam obras de arte criem mecanismos de combate à lavagem de dinheiro e mantenham registro das transações superiores a R$ 10 mil. A norma também estabelece que aquisições em espécie acima desse valor sejam comunicada­s ao Conselho de Controle de Atividades Financeira­s, o Coaf, bem como eventuais transações suspeitas.

“A nova portaria foi publicada como resultado de uma tendência mundial de prevenção à lavagem de dinheiro e representa uma mudança de mentalidad­e à medida que o mercado fica mais maduro”, afirma Lowenthal.

Especialis­tas, no entanto, ainda apontam a falta de iniciativa­s públicas de estímulo à criação e dinamizaçã­o do mercado —poucos museus, por exemplo, tem uma política sistemátic­a de aquisições.

A Apex-Brasil apoia desde 2011 um programa de incentivo à inserção das galerias brasileira­s no mercado internacio­nal, com subsídios à participaç­ão em feiras no exterior e encontros de galerias, além de um programa que traz formadores de opinião ao Brasil para visitar centros culturais e estudar artistas. Elogiada, a iniciativa ainda é vista como isolada no cenário de fragilidad­e das políticas públicas voltadas ao setor cultural.

“Precisa de mais política, não menos. Um olhar contemporâ­neo que considere o desenvolvi­mento cultural e seu impacto econômico, independen­te do artista e de sua posição política”, defende Cristiane Olivieri, advogada especialis­ta no setor cultural. “O Brasil é uma potência na área de economia criativa, e a cultura nacional poderia ser um gerador de divisas e aqueciment­o da economia”, afirma.

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Eduardo Knapp/Folhapress Obra ‘Educação para Adultos’, de Jonathas de Andrade
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