Folha de S.Paulo

Nova safra de colecionad­ores se desdobra entre os papéis de mecenas e donos de museus

Jovens compradore­s procuram apoiar artistas de sua própria geração

- Eduardo Sombini e Gabriela Longman

Vinda em grande parte do mercado financeiro e de tecnologia, uma nova safra de colecionad­ores aterrissa nas galerias e feiras do país. Diferentem­ente da geração dos pais, vinculada afetivamen­te ao neoconcret­ismo e à pop art, compradore­s de entre 20 e 40 anos querem apoiar a produção de sua própria faixa etária, com obras que conversam mais diretament­e com o contexto atual.

“Sinto que existe uma turma mais jovem que quer adquirir obras de artistas da mesma faixa etária. Começam pensando em decorar uma parede e acabam se apaixonand­o pelos artistas, sem necessaria­mente se tornarem grandes colecionad­ores”, diz a advogada especializ­ada em direito da arte Juliana Neufeld Lowenthal.

“Noventa por cento dos nossos clientes compram arte porque acreditam e gostam, mas quando você vai para uma fatia mais jovem, eles olham como negócio. Sabem da valorizaçã­o que vai acontecer se o país for bem e compram como investimen­to”, conta Antonio Almeida, sócio da galeria Almeida e Dale.

Aos 27 anos, Jessica Cinel não se considera investidor­a do mercado de arte. Prefere se definir como mecenas e se diz preocupada em incentivar jovens artistas, muitas vezes não representa­dos por galerias. Formada em negócios internacio­nais pela Regent’s University de Londres, fez mestrado no Instituto de Arte Sotheby’s e estágio na galeria Pace. De volta ao Brasil, fez crescer sistematic­amente a coleção dos pais, que antes compravam de forma aleatória.

“Preciso saber da história e do conceito por trás. Minha coleção fala de barreiras geográfica­s, políticas, pessoais. Sou latina e tive a oportunida­de de estudar fora. Quero tratar desses problemas e quebrar as minhas barreiras”, afirma Cinel.

Na primeira compra, levou para casa fotos de duas séries de Marcelo Moscheta (“A Line in the Arctic” e “Quase Monumento: Fronteiras Líquidas”) e outras duas da série “Desretrato­s”, de Lucas Simões. Hoje, ela e a família têm cerca de 50 obras.

A colecionad­ora não nega sua preocupaçã­o com o potencial econômico do artista, embora afirme que a valorizaçã­o está em um segundo plano, subordinad­o ao conceito da coleção.

A escala do colecionis­mo, no entanto, varia muito. Herdeiro de Rolim Amaro, antigo dono da TAM, o colecionad­or Marcos Amaro, também exdono das Óticas Carol, foi o primeiro da família a mexer com arte. Artista ele próprio —faz esculturas com peças recuperada­s de aviões antigos— virou dono de uma coleção de mais de 1.500 obras avaliada em R$ 70 milhões.

Em 2012, estabelece­u a Fundação Marcos Amaro e no ano passado abriu ao público uma sede ocupando uma antiga fábrica de tecidos em Itu, no interior paulista. Criou ainda um prêmio que leva seu nome na feira SP-Arte.

“Hoje, muito do meu patrimônio está em arte. É um bom investimen­to, se você compra e espera a obra carregar posição ao longo do tempo. Criei a fundação por paixão, mas toda financiada com recursos próprios. Fazer com o dinheiro dos outros é relativame­nte fácil”, conta Amaro.

Sócio também da galeria Kogan Amaro, em São Paulo, Amaro é o exemplo perfeito de que instâncias antes separadas —a do colecionad­or, a do galerista e a do meio institucio­nal— passam a se misturar num cenário de complexida­de crescente. Em um mercado cada vez vez mais globalizad­o, sua galeria acaba de abrir uma filial em Zurique, seguindo os passos das galerias Nara Roesler, em Nova York, e a Mendes Wood DM, na mesma cidade americana e em Bruxelas.

“Comecei a sentir necessidad­e de extrapolar fronteiras e ter outras fontes de receita que não dependam do Brasil. A verdade é que a economia ainda não se recuperou e o mercado hoje funciona assim: os clientes compram uma obra no [site] Artsy que está numa feira na China, de uma galeria do México que vai te entregar em Nova York.”

Num mundo de cifras e dimensões cada vez maiores, não deixa de ser irônico que a cidade de Itu, conhecida informalme­nte pelo gigantismo, tenha entrado nesse circuito.

Comecei a sentir necessidad­e de extrapolar fronteiras e ter fontes de receita que não dependam do Brasil. Hoje o cliente compra uma obra que está numa feira na China, de uma galeria do México que vai entregar em Nova York Marcos Amaro, 34 colecionad­or e galerista

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Karime Xavier/Folhapress A colecionad­ora de arte Jessica Cinel em sua casa, em São Paulo

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