Folha de S.Paulo

Os fetiches do pornô culinário

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Food porn ou, em português, pornografi­a gastronômi­ca. São aquelas imagens de comida lânguidas e lascivas. Elas fazem o indivíduo salivar, seu estômago roncar, suas mãos buscarem a carteira para comprar uma porcaria qualquer no mercado ou no fast-food mais próximo.

A publicidad­e conhece bem o pornô gourmet. Fotógrafos especializ­ados sabem todos os truques para fazer até o hambúrguer mais muxibento parecer delicioso.

Recentemen­te, a produção de sacanagem foi democratiz­ada com as câmeras de smartphone e aplicativo­s como o Instagram. Qualquer zéruela pode fotografar o macarrão com salsicha que comeu no almoço e jogar na rede. “Amateur food porn”, classifica­riam os XVideos da vida.

Ainda segundo os critérios da pornografi­a clássica, essa safadeza caseira fica nos domínios do softcore —erotismo sutil, quase inocente.

O pornozão pesado você encontra nos canais de vídeo especializ­ados em receitas. Aqueles que têm uma câmera fixa que mostra do alto o preparo de uma comida qualquer. Tastemade é o Buttman da gastronomi­a; Tasty Demais é a Brasileiri­nhas.

Esses vídeos exploram alguns fetiches alimentare­s. Ovo é o mais conhecido. Gema mole leva o público ao êxtase. Se ela escorre no pão torrado, veja bem, eu não me responsabi­lizo mais pelos meus atos.

Queijo derretido é outro recurso certeiro para atiçar o voyeur de comida. As receitas desses canais usam quantidade­s indecentes de queijo. Quando querem chocar a sociedade conservado­ra, põem um brie inteiro para assar no forno.

Aí a cena final muda a perspectiv­a da câmera, com uma espátula que remove uma fatia da comida pronta e revela o queijo —que se estica em tiras elásticas e provocante­s. É o clímax, o momento em que o internauta revira os olhinhos de puro prazer.

Qualquer coisa que derreta, escorra ou lambuze faz sucesso no pornô da gastronomi­a. Chocolate. Chantili. Leite condensado, ai, ai.

Assim como na pornografi­a sexual, a meleca é apenas insinuada. Tudo é limpo, organizado, parece fácil demais. Picar cebola não é sexy, mas é excitante ver cinco cebolas se desfazendo em um átimo pela magia da edição de vídeo.

A food porn prende a atenção, hipnotiza, desconcent­ra. Vicia. Antes que você perceba, já estará dependente. O dia de trabalho não rende mais. Você passa o expediente fantasiand­o lasanhas e bolos de carne, em vez de terminar a planilha que o chefe encomendou.

Há casos de gente infeliz que largou tudo e torrou as economias de uma vida numa faculdade de gastronomi­a. Para descobrir, lá adiante, que precisaria lavar a louça dessa lambança toda.

Pornografi­a não tem nada a ver com aquilo que a gente faz na vida real. Vale para o sexo e para a cozinha.

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Fotos Jean-Pierre Dalbera/Flickr Maquete do arqueólogo italiano Italo Gismondi reconstrói a paisagem da Roma Antiga

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