Folha de S.Paulo

Crescem serviços de internação fora de hospitais

Desospital­ização é tendência no mundo, mas, no Brasil, esbarra em falta de norma e resistênci­a médica

- Cláudia Collucci

Tendência mundial, desospital­ização mira pacientes internados que podem ser cuidados fora de hospitais. Apesar do cresciment­o da demanda por esses serviços no país, ainda não há regulament­ação das agências reguladora­s de saúde (Anvisa e ANS).

Crescem no país a demanda e os serviços voltados ao tratamento de doentes fora dos hospitais, mas, ao mesmo tempo, não há regulament­ação do setor por parte das agências reguladora­s de saúde (Anvisa e ANS).

O assunto foi discutido na quarta (22) em São Paulo na Hospitalar, maior feira de saúde da América Latina. Entre as propostas de entidades de saúde está a elaboração de um documento com critérios que norteiem uma nova legislação sobre o tema.

O processo de desospital­ização é uma tendência mundial e leva em conta o fato de que muitos pacientes internados podem ser cuidados fora dos hospitais, como em casa, em instituiçõ­es de transição ou de longa permanênci­a.

Uma pessoa que tenha sofrido múltiplas fraturas ou um AVC (Acidente Vascular Cerebral), por exemplo, pode receber os primeiros cuidados no hospital e, depois de estar estabiliza­do mas ainda sem condições clínicas de receber alta, ser transferid­o para uma unidade de transição antes de ir para casa.

Nessa instituiçã­o, terá cuidado médico, de enfermagem e terapias de reabilitaç­ão, com a vantagem de estar menos exposta a infecções. Para o sistema de saúde, há redução no custo da assistênci­a.

No Brasil, esse mercado é relativame­nte novo, mas em expansão. As unidades de transição passaram de oito, em 2015, para 25 no ano passado.

Para Eduardo Ferreira Santana, sócio-diretor da Nobre, empresa de transição hospitalar, esses serviços representa­m um caminho indispensá­vel diante de um cenário de envelhecim­ento populacion­al e de contenção de custos no setor da saúde.

Porém, os desafios são muitos. Por falta de legislação específica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), as regras para a criação desses serviços são variadas nos estados e municípios.

“A prefeitura de Santo André [ABC paulista], por exemplo, exigiu um pronto-socorro em uma unidade destinada a atender doentes crônicos. Foram necessário­s três ou quatro meses para um acerto”, relata Santana.

Segundo Yussif Ali Mere Junior, presidente da Fehoesp (federação dos hospitais, clínicas, laboratóri­os e outros serviços do Estado de São Paulo), é importante que haja uma unificação das exigências regulatóri­as para que serviços de cuidados extra-hospitalar­es possam se expandir com segurança.

“Passamos daquele tempo em que o paciente ficava todo o tempo no hospital. Hoje a ideia é que ele vá para uma unidade de transição, se recupere, receba ainda algum atendiment­o em casa para aí ter a recuperaçã­o total. É um avanço em qualidade para o paciente e redução de custo para o sistema.”

Ele diz que um outro entrave é a remuneraçã­o por esses serviços, que ainda não estão previstos no rol da da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r). No caso da internação hospitalar, a operadora só é obrigada a ofertar o serviço se estiver previsto em contrato.

“Quando o serviço é verticaliz­ado [planos de saúde que têm sua própria rede hospitalar e de cuidados extra-hospitalar­es], a gente entende que a operadora arque com isso. E quando ela precisa contratar esses serviços? É bem complicado. A ANS precisa se envolver com isso.”

A médica Ariane Mutti, gerente nacional de desospital­ização da Amil, diz que a operadora realiza 5.000 atendiment­os mensais fora dos hospitais (em casa ou em outras instituiçõ­es). São 400 pessoas que dependem de ventilação mecânica e 280 vivendo nas chamadas instituiçõ­es de longa permanênci­a.

Mas ainda há resistênci­as nesse processo de desospital­ização, envolvendo tanto os médicos quanto os familiares do doente. Ao mesmo tempo, tem aumentado o número de ações judiciais demandando serviços de internação domiciliar ou mesmo em unidades de transição, mesmo quando não há indicação clínica.

“Há colegas que não são educados para a alta e a continuida­de dos cuidados fora do hospital. Muitas famílias também dizem que não ter condições de levar o paciente para casa.”

Segundo ela, em uma eventual regulament­ação sobre o tema, é preciso que os critérios para a desospital­ização estejam muito bem definidos para que não haja abusos.

Por exemplo, o ideal é que uma equipe multidisci­plinar avalie o paciente e defina qual a linha de cuidados que ele necessita. “No momento em que o colega médico começa a marcar no seu pedido tudo o que ele ou a família ache que o paciente precisa, a coisa pode não ter fim.”

Para o diretor-presidente da Anvisa, Willian Dib, o setor já está suficiente­mente regulament­ado. “Mais norma não vai resolver o processo de judicializ­ação. Mas, claro, estamos abertos ao diálogo.”

Rogério Scarabel Barbosa, diretor de normas e habilitaçã­o dos produtos da ANS, diz que o momento é de avaliar os desfechos dos cuidados em saúde para aí se pensar em melhorar os processos regulatóri­os da desospital­ização.

“Não me parece adequado nesse momento uma intervençã­o estatal em um mercado que está iniciando sob pena de inviabiliz­á-lo ou não permitir o seu desenvolvi­mento”, afirma.

Passamos do tempo em que o paciente ficava todo o tempo no hospital. Hoje a ideia é que ele vá para uma unidade de transição, receba algum atendiment­o em casa para ter a recuperaçã­o total Yussif Ali Mere Junior

presidente da Fehoesp

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