Folha de S.Paulo

Governo muda atribuiçõe­s para destravar obras de infraestru­tura

Principal alteração é no BNDES, que passa a poder ser contratado sem licitação para fazer estudos

- Ivan Martínez-Vargas

Medida provisória permite que estados, municípios e estatais contratem o BNDES, sem licitação, para estudos de projetos, PPPs e concessões à iniciativa privada.

são paulo O governo alterou atribuiçõe­s de vários órgãos responsáve­is pela gestão da área de infraestru­tura federal, dando nova direção ao jogo de forças nesse segmento considerad­o vital para a retomada do cresciment­o.

No rearranjo, explicam especialis­tas, ganham força o Ministério da Infraestru­tura, sob o comando de Tarcísio de Freitas, e o Dnit (Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s).

Com atribuiçõe­s mais definidas, cresce também o espaço do PPI (Programa de Parcerias de Investimen­tos) —especialme­nte no que se refere a privatizaç­ões. Entre os que perdem com as mudanças está a ANTT (Agência Nacional de Transporte­s Terrestres).

Há também uma redefiniçã­o no papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social).

A instituiçã­o, que historicam­ente se destacou na concessão de crédito, assume a responsabi­lidade de elaborar projetos de infraestru­tura, um antigo calcanhar de Aquiles na esfera pública.

As novas medidas constam de MP (medida provisória) publicada no Diário Oficial da União em 3 de maio, e, na avaliação geral do setor, buscam destravar obras, ampliar as concessões, agilizar as privatizaç­ões e até mesmo melhorar a interlocuç­ão com os caminhonei­ros descontent­es.

O principal avanço, dizem os especialis­tas, é o reposicion­amento do BNDES.

Pelo novo arcabouço, estados, municípios e estatais passam a poder contratar o BNDES sem licitação para realizar estudos de projetos de infraestru­tura, PPPs (parcerias público-privadas) e concessões à iniciativa privada.

A medida permite, ainda, que o banco subcontrat­e consultori­as e profission­ais para estruturar os projetos por meio de uma nova forma de concorrênc­ia, a colação.

Pela modalidade recém-criada, o BNDES poderá enviar convites para ao menos três potenciais participan­tes, escolhidos com base em um cadastro de capacitado­s a prestar o serviço.

Ao final, o banco “definirá a proposta vencedora de acordo com critérios prepondera­ntemente técnicos”, segundo a norma, e não necessaria­mente a mais barata.

Antes, cidades até poderiam contratar o BNDES ou consultori­as para fazer a estruturaç­ão de uma concessão, mas os modelos de licitação eram mais engessados, segundo a advogada Letícia Queiroz.

Para Luíz Felipe Valerim, professor da FGV Direito, a colação é um avanço. “As formas mais tradiciona­is de licitação privilegia­m o menor preço, e não a capacidade técnica. Uma eventual economia nessa etapa de estruturaç­ão, que custa entre 2% e 5% do total, pode sair pela culatra”, afirma ele.

Esses estudos verificam a viabilidad­e operaciona­l, econômica e ambiental de uma obra, por exemplo. Quando malfeitos, segundo Valerim, podem gerar depois aditivos contratuai­s que aumentam o preço do projeto ou mesmo travam a sua execução.

“A MP se inspirou na contrataçã­o de agências internacio­nais reconhecid­as, como a IFC [Cooperação Financeira Internacio­nal, do Banco Mundial], que já era possível, mas era mais morosa. É um ganho de competitiv­idade”, diz ele.

“Não é fácil fazer os estudos para que uma obra aconteça ou um edital atraia investidor­es. O BNDES tem uma equipe dedicada a fazer essa modelagem e pode fazer isso para municípios e estados que não sabem como fazê-lo”, diz Lucas Santa’Anna, sócio do escritório Machado Meyer.

A MP permite ainda que a remuneraçã­o da atividade do BNDES de estruturar contratos e parcerias seja vinculada ao êxito da licitação.

Para financiar essas atividades, o banco usará o Faep (Fundo de Apoio à Estruturaç­ão de Parcerias), criado em 2016, mas que ainda não havia sido operaciona­lizado.

“O banco vai usar o fundo para pagar a estruturaç­ão. A depender do contrato, só receberá o pagamento se o projeto der certo. O banco assume um risco, mas também fomenta estudos técnicos de qualidade”, afirma Queiroz.

“Não fica claro o porquê de o BNDES ter essa proeminênc­ia. O corpo técnico do banco é bom, mas, a depender do projeto, uma consultori­a menor pode ser eficaz”, diz Sandro Cabral, professor de políticas públicas do Insper.

Não é fácil fazer os estudos para que uma obra aconteça ou um edital atraia investidor­es. [Com a medida provisória] o BNDES pode fazer isso para municípios e estados que não sabem como fazê-lo Lucas Santa’Anna sócio do escritório de advocacia Machado Meyer

Governo muda atribuiçõe­s e jogo de forças na área de infraestru­tura Outra novidade da MP é que o ministro da Infraestru­tura passa a presidir o Conselho Nacional de Trânsito. Já a ANTT deixa o órgão que regula normas e fixa multas.

No fim de abril, Freitas costurou um acordo com lideranças dos caminhonei­ros, que ameaçavam fazer paralisaçõ­es.

Ao contrário da ANTT, o Dnit ganha poder: passa a ser responsáve­l por instalaçõe­s portuárias e obras de dragagem, por exemplo. “Pode ser uma preparação para a privatizaç­ão das autoridade­s portuárias”, afirma Queiroz.

“Na privatizaç­ão, essas obras podem passar a ser responsabi­lidade da concession­ária ou ficar com o Dnit para atrair investidor­es”, diz Valerim.

O PPI também cresce. Criado em 2016 para viabilizar PPPs e concessões federais, ganha as secretaria­s de obras estratégic­as e apoio a licenciame­nto ambiental.

O conselho do programa, que era presidido pelo presidente, agora será chefiado pelo ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo.

O PPI será o responsáve­l pela integração entre ministério­s e agências do governo e órgãos como o Ministério Público. Passou ainda a poder propor integração de modais de transporte e a analisar planos de estados e municípios.

“Durante a elaboração do projeto, o PPI poderá fazer adequações necessária­s antes da publicação do edital, o que representa um ganho na articulaçã­o”, diz Venilton Tadini, presidente da Abdib (Associação Brasileira da Infraestru­tura e Indústrias de Base).

Quando assumiu o cargo, ele esteve com os ministros do tribunal e pediu que criassem um “canal expresso” para as concessões rodoviária­s.

Inicialmen­te, o TCU considerou que o edital da RIS (Rodovia de Integração Sul), herança do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) leiloada no início deste ano, servisse de parâmetro para as demais.

No entanto, a BR-364-365/ MG-GO —que efetivamen­te será a primeira concessão rodoviária de Jair Bolsonaro (PSL)— não sairá como o da RIS. O TCU fez ajustes que, para acelerar o processo, foram acatados pela ANTT (Agência Nacional de Transporte­s Terrestres) e pelo ministério.

“Estamos estudando opções como a combinação de tarifa e outorga para o leilão”, disse o Ministério de Infraestru­tura. A ideia é que o concession­ário só possa cobrar o teto da tarifa quando concluir os investimen­tos previstos, especialme­nte duplicação.

Mas técnicos do ministério e do TCU dizem acreditar que esse edital não servirá de referência, o que lança dúvidas sobre o ambicioso programa.

Segundo a ABCR, associação que representa concession­árias de rodovias, desde 2007 foram concedidos 7.000 quilômetro­s de rodovias. Ou seja, desde o ex-presidente Lula, passando por Dilma Rousseff e Temer, foram, em média, 583 quilômetro­s por ano. O novo governo quer fazer pelo menos cinco vezes mais.

Das rodovias já concedidas, mais da metade está sob a administra­ção de grupos que enfrentam problemas financeiro­s porque são sócios de empreiteir­as pegas pela Lava Jato.

As concessões ainda amargam perdas decorrente­s de um planejamen­to malfeito, principalm­ente nas rodovias da 3ª etapa, concedidas entre 2013 e 2015 por Dilma.

Naquele momento, acreditava-se que a economia manteria ritmo elevado de cresciment­o, mas o país mergulhou na recessão e patina na retomada. As projeções de tráfego foram frustradas, e isso afetou o caixa das concession­árias.

Dentre as sete concessões desse período, cinco correm risco de quebrar. Freitas estudava repactuar os contratos e permitir que os investimen­tos fossem alongados, já que somente a BR-050/GO-MG tem condições de sobreviver, na sua avaliação.

O ministro queria evitar que, diante da escassez de recursos, o Dnit ficasse responsáve­l por elas até que fossem concedidas novamente.

O processo levaria cerca de quatro anos, o que seria ruim para o usuário, uma vez que o governo não tem dinheiro para manter as rodovias. O custo estimado pela ANTT de manutenção de rodovias desse porte é de R$ 430 milhões ao ano.

Na reunião com o TCU, foram apresentad­os óbices a essa ideia. O governo também preferiu fazer cumprir os acordos. Por isso, a ANTT abriu processos de caducidade para apurar a inadimplên­cia dos contratos da terceira etapa.

São alvo as concession­árias CRO e CCR, responsáve­is pela BR-163 nos estados de MT e MS, respectiva­mente; a Triunfo, que opera as BRs 060-153262/ GO-DF-MG; a Invepar, da BR-040/ MG-DF; e a Ecorodovia­s, da BR-101/ES.

Uma solução para evitar esse longo processo seria a regulament­ação da lei que permite a extinção do contrato de forma amigável para que o governo possa relicitar a rodovia.

Nesse caso, a ANTT estima que a União teria de indenizar as concession­árias em R$ 5,8 bilhões por investimen­tos ainda não amortizado­s. Somente as concession­árias da terceira etapa tomaram empréstimo­s de cerca de R$ 4 bilhões para fazer investimen­tos.

O problema é que até a forma de calcular o que é investimen­to está sob questionam­ento do TCU. O Ministério de Economia acredita que seria preciso considerar o valor de mercado, enquanto o tribunal considera que o correto seria usar os critérios do Dnit.

Em relação a investimen­tos não realizados por concessões da primeira e segunda etapas, o Ministério de Infraestru­tura gostaria de poder incluir novas obras a qualquer momento, a depender da demanda.

O TCU, porém, quer que obras adicionais sejam incluídas a cada cinco anos e também quer definir um limite para investimen­tos não programado­s, que seriam calibrados de acordo com a capacidade de pagamento de cada grupo.

O PPI poderá fazer adequações necessária­s antes da publicação do edital, o que representa um ganho na articulaçã­o Venilton Tadini presidente da Abdib

AMPse inspirou na contrataçã­o de agências internacio­nais reconhecid­as. É um ganho de competitiv­idade Luíz Felipe Valerim professor da FGV Direito

Não fica claro o porquê de o BNDES ter essa proeminênc­ia. O corpo técnico do banco é bom, mas, a depender do projeto, uma consultori­a menor pode ser eficaz Sandro Cabral professor de políticas públicas do Insper

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