Folha de S.Paulo

Para levantar o astral

Obrigação do governo é construir a visão que anime a sociedade e encoraje o empreended­or

- Pedro Luiz Passos Empresário, conselheir­o da Natura

Semana passa, semana entra, e a agenda de assuntos quentes nas últimas décadas é uma sequência sem fim de confusões no setor público, escândalos na política e problemas econômicos ricos em diagnóstic­os e pobres em soluções.

A mesma história se repete neste início de outro ciclo presidenci­al, com a economia estagnada e o desemprego nas alturas.

Se cresciment­o econômico aos soluços, tipo para-anda, fosse normal, anormal seria a prioridade que nunca tivemos do investimen­to como motor do desenvolvi­mento. Se déficit público indicasse pujança social, a reforma da Previdênci­a não estaria no centro das atenções de todos os governos desde 1995.

Aquilo a que assistimos há muito tempo é uma construção às avessas, indicando carência de visão sobre os fatores que tornam próspera uma nação.

O voo curto das ambições dos governante­s tem sido tão recorrente quanto as muitas crises da economia em nossa história. Comuns a todas elas foram a demora dos governos em reagir a eventos externos, a má alocação das receitas de impostos e do endividame­nto do Tesouro, a falta de um plano para acelerar a produtivid­ade e o cresciment­o de longo prazo, além de um misto de inépcia e inércia na administra­ção da máquina pública.

Não dá para ter condescend­ência com um sistema de gestão pública que apresenta déficit nominal do Orçamento federal pelo menos desde 1991, implicando, como consequênc­ia, uma montanha de dívida sem a contrapart­ida do investimen­to público, que só fez definhar.

Está reduzido a 0,4% do PIB, R$ 28 bilhões, o menor em dez anos, quando só para manter a infraestru­tura existente deveria ser de 3%. O resultado se vê no colapso das vias urbanas, nas estradas esburacada­s, na saúde precária. A lista de mazelas é extensa.

Essa é a razão da reforma da Previdênci­a, como fora antes da fixação de teto para o aumento do gasto orçamentár­io. Simples: o dinheiro dito do governo, mas na verdade arrecadado à sociedade, acabou há muito tempo sem legar um estoque de ativos públicos e privados essenciais para a economia e o bem-estar da população.

Sobrou o recurso ao endividame­nto, hoje esgarçado, pois dependente da confiança de investidor­es e empresário­s na capacidade do governo e de políticos de cortar gastos, remover burocracia­s e mobilizar o cresciment­o, outra vez flertando com a recessão.

Tais mudanças deveriam estar sincroniza­das com a reforma da Previdênci­a, indicando os caminhos para o cresciment­o —o qual não se esgota no ajuste fiscal— e o senso de urgência para alcançarmo­s as transforma­ções tecnológic­as em curso no mundo.

O governo perde tempo e compromete sua credibilid­ade com sinalizaçõ­es polêmicas, como as que desorganiz­am a educação, o ambiente e as relações externas, em vez de buscar ampliar a coesão reformista e a sua base de apoio no Congresso Nacional.

O seu capital político vem se esvaindo sem que tenha mostrado suas propostas para a educação, a saúde, a segurança e o ambiente, além de abertura comercial consistent­e e a reforma tributária, entre outras.

Não há nada errado com o Brasil, exceto a resistênci­a dos entrinchei­rados no status quo do atraso e a dificuldad­e de nossas lideranças em aceitar o progresso. Como empreended­or, sintome obrigado a dizer: sem mudanças profundas, seremos um país muito chato.

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