Folha de S.Paulo

Vivendo em perigo

Demissão de general por Bolsonaro e ataque de Paulo Guedes ao Congresso mostram gosto por acirrar tensões em vez de buscar entendimen­to

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Sobre propensão de Bolsonaro a acirrar conflitos.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se cansa de oferecer demonstraç­ões de que gosta de viver perigosame­nte, à custa da objetivida­de nos rumos de seu governo.

Há poucas semanas, um cessarfogo nas escaramuça­s entre as facções mais radicais do bolsonaris­mo e militares com posições no ministério pareceu desanuviar um pouco o ambiente tumultuado dos primeiros meses da administra­ção.

Nesta quinta (13), Bolsonaro decidiu ele mesmo atiçar novamente as rivalidade­s internas ao demitir o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que chefiava a Secretaria de Governo do Palácio do Planalto.

O ministro caiu após se chocar com os inquietos filhos do presidente e seus amigos, em meio a divergênci­as sobre a estratégia de comunicaçã­o do governo e a influência dos agitadores que defendem o bolsonaris­mo nas redes sociais.

Santos Cruz também tinha a tarefa de azeitar a articulaçã­o do Palácio do Planalto com o Congresso. Embora tivesse angariado algum respeito entre os líderes políticos como um interlocut­or confiável, era evidente que não conseguiri­a desempenha­r a missão sem contar com o engajament­o do presidente.

Ele será substituíd­o por outro membro das Forças Armadas, o general Luiz Eduardo Ramos. Mas a demissão deixou claro mais uma vez que Bolsonaro aprecia impor sua autoridade acirrando tensões, em vez de buscar conciliaçã­o.

Nesta sexta (14), o chefe do Executivo deu outra exibição de força ao anunciar a demissão do presidente dos Correios, general Juarez Aparecido de Paula Cunha, durante um café da manhã com jornalista­s.

Para ele, o general se comportou como sindicalis­ta ao criticar seu plano de privatizar a estatal —e por esse motivo tem que sair.

Tudo isso aconteceu depois que a discussão da reforma da Previdênci­a venceu uma etapa crítica no Congresso, com a apresentaç­ão do relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre o tema.

No café da manhã, o presidente disse esperar que as mudanças feitas no projeto mais importante do governo preservem sua essência, mas expressou respeito pelas escolhas feitas pelo Legislativ­o.

Seu ministro da Economia, Paulo Guedes, porém, desferiu ataque virulento horas depois, acusando os deputados de ceder às pressões do funcionali­smo e desfigurar a proposta original do governo.

Coube ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), principal articulado­r da reforma no Parlamento, responder à provocação do ministro e baixar a fervura.

O saldo do episódio foi mais um desgaste desnecessá­rio para o governo. Com o impulso que o Congresso deu à discussão do assunto, Bolsonaro terá mais uma chance de dialogar em busca do aperfeiçoa­mento da proposta —se quiser parar de apostar na confusão.

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