Folha de S.Paulo

Um ministro contra o aborto

- Julianna Sofia

A elite do funcionali­smo mais uma vez mostrou o que sabe fazer de melhor. Nesta semana, colheu os doces frutos de um habilidoso lobby contra a investida reformista sobre suas regalias. Garantiu no novo texto da PEC da Previdênci­a —endossado pela cúpula da Câmara— uma regra de transição mais suave e benéfica que a prevista para a patuleia sob o INSS.

Um grupo de 240 mil servidores que ingressara­m no setor público até 2003, pela proposta original, só teria direito às benesses conhecidas como paridade (equiparaçã­o salarial entre ativos e inativos) e integralid­ade (benefício equivalent­e ao último salário) se atingisse a idade mínima de 62/65 anos (mulher/homem).

O sacrifício foi considerad­o duro na barnabelân­dia. Corporaçõe­s se mobilizara­m e ganharam do relator da PEC, Samuel Moreira (PSDB-SP), uma regra de transição amena para manter as vantagens. A mudança vai contra o que seria a epígrafe da reforma: acabar com os privilégio­s.

“Recuaram na regra de transição e, como ia ficar feio recuar só para os servidores, estenderam também para o regime geral e isso custou R$ 100 bilhões”, disse Paulo Guedes (Economia). Nas contas dele, a economia gerada com o texto preliminar cai para R$ 860 bilhões em dez anos —cerca de R$ 300 bilhões a menos que o planejado.

A perda da potência fiscal também se deve a outras alterações —mas, neste caso, muito justas. Entre elas a retirada de normas mais duras para o BPC e as aposentado­rias rurais.

Para o ministro, a capitulaçã­o dos parlamenta­res à pressão do funcionali­smo aborta a nova Previdênci­a —o regime de capitaliza­ção. “O compromiss­o com os servidores públicos do Legislativ­o foi maior do que o com as novas gerações”, sentenciou.

Goste ou não o ministro, com ou sem concessões obscenas a corporaçõe­s, o relatório apresentad­o por Moreira descarta sumariamen­te a capitaliza­ção dos sonhos de Guedes. Neste caso, também muito justo.

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