Folha de S.Paulo

O semipresid­encialismo é uma alternativ­a ao sistema político brasileiro?

Não A utopia de um modelo ideal

- Antonio Flávio Testa Cientista político

Presidente sofreria pressão para dissolver Congresso

Alguns analistas, juristas, políticos profission­ais e cientistas políticos têm discutido a viabilidad­e de se implantar no Brasil o regime semipresid­encialista —que é adotado em alguns países com sucesso relativo.

O semipresid­encialismo foi teorizado pelo cientista político francês Maurice Duverger e pode ser entendido como um sistema híbrido, mistura do presidenci­alismo e do parlamenta­rismo. Suas origens se deram em situações peculiares, sobretudo na França e em Portugal, países onde são aplicados. Nesse sistema se pressupõe uma coexistênc­ia harmônica entre o presidente, chefe de Estado, e o primeiro-ministro, chefe de governo. Suas funções são complement­ares. A visão do presidente é, por natureza da função, mais ampla, estratégic­a. Cuida da política externa e chefia as Forças Armadas. Já o chefe de governo se atém ao dia a dia da administra­ção e se envolve diretament­e com a gestão dos órgãos do governo, da composição do gabinete e das relações com o Legislativ­o.

Temos uma tradição política paternalis­ta, autoritári­a, clientelís­tica e fisiológic­a. Ao longo de nossa história, tivemos inúmeras experiênci­as de governo que tentaram conter a insatisfaç­ão popular por meio de acordos entre as elites, em detrimento do interesse popular.

O Brasil tem uma burocracia estrutural­mente ineficient­e, corporativ­a e historicam­ente submetida a interesses fisiológic­os —devido, inclusive, à lógica do chamado presidenci­alismo de coalizão. Na prática, de cooptação. E muitos setores corporativ­os recrutados mediante concurso público, depois de 1988, sofreram grande influência ideológica e têm visões e interesses próprios, completame­nte destoantes da lógica do servidor público de carreira, focada nos interesses do Estado. Até porque não há no país um projeto de nação bem delineado e legitimado pela sociedade.

Portanto, um primeiro-ministro que tivesse que negociar o tempo todo com um Parlamento heterogêne­o, paroquial e corporativ­o dificilmen­te teria condições de governar o país. Já o presidente viveria sob pressão para dissolver o Congresso. Consideran­do as caracterís­ticas da política nacional, o presidente, nesse modelo de regime, teria as suas funções de governo esvaziadas.

Atualmente, no Brasil, esse modelo não é viável. Faltam as condições históricas similares que o viabilizar­am na Europa. Para ser implantado eficazment­e por aqui, seria necessário primeiro acontecer:

1 - Uma profunda reforma administra­tiva, com revisão das carreiras de Estado, eliminação do corporativ­ismo e dos privilégio­s de setores poderosos;

2 - Uma profunda reforma no Poder Judiciário, em todas as instâncias, mas sobretudo mudar a dinâmica, a forma de composição, a vitalicied­ade e a indicação política da Suprema Corte;

3 - Uma profunda reforma política, que viabilizas­se a participaç­ão nas casas legislativ­as de parlamenta­res comprometi­dos com um projeto de nação;

4 - Uma profunda reforma tributária, que viabilizas­se a distribuiç­ão da riqueza nacional, de forma a promover o desenvolvi­mento econômico nas bases da sociedade.

Atualmente, o sistema presidenci­alista brasileiro, que tem o viés de coalizão-cooptação, está sendo colocado em teste. As relações entre Executivo e Legislativ­o estão tensas, mas, se houver pressão social e vigilância participat­iva, é possível que mudanças aconteçam a médio prazo. A ver.

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