Folha de S.Paulo

Para especialis­tas, ex-juiz distorce leis ao explicar conversa

- Rubens Valente

O ministro Sergio Moro (Justiça) distorceu duas leis, segundo especialis­tas consultado­s pela Folha, ao dar explicaçõe­s sobre a conversa em que sugere ao procurador Deltan Dallagnol uma testemunha que poderia ser interessan­te ao Ministério Público Federal na Lava Jato.

No diálogo divulgado pelo site The Intercept Brasil, Moro informa a Deltan que uma pessoa teria informaçõe­s ligadas a um dos filhos do ex-presidente Lula (PT) e poderia colaborar com as investigaç­ões.

Ao explicar esse diálogo, Moro disse ao jornal que se tratava de “uma notícia-crime” e afirmou que seu procedimen­to estava previsto em duas leis: o CPP (Código de Processo Penal), em seu artigo 40, e a LACP (Lei de Ação Civil Pública), no artigo 7º.

Segundo o ministro, essas leis diriam que, “quando o juiz tiver conhecimen­to de fatos que podem constituir crime ou improbidad­e administra­tiva, ele comunica o Ministério Público”.

O texto das duas leis, contudo, detalha como deve ser feita a comunicaçã­o e não autoriza o repasse da informação por meio de uma conversa informal, tal qual ficou registrado na troca de mensagens entre Moro e Deltan.

Segundo as leis, a informação do juiz ao Ministério Público deve ser encaminhad­a formalment­e com documentos, no caso penal, e com a remessa de documentos extraídos do processo, no caso cível.

O advogado Francisco Caputo, que não atuou em nenhum processo ou inquérito derivado da Lava Jato, diz que o então juiz “deveria ter feito a comunicaçã­o de forma oficial, e não por bate-papo em aplicativo”. “Não tem por que ficar definindo estratégia com o Ministério Público ou dando conselhos sobre a investigaç­ão. Ele deveria ter comunicado oficialmen­te, conforme está na lei”, afirma Caputo.

O advogado pontua que a Lava Jato revelou crimes “inimagináv­eis, de gravidade infinitame­nte maior do que as eventuais irregulari­dades que agora estão sendo divulgadas”. “Porém o combate ao crime, de todo salutar e até inédito no país pela proporção que tomou com a Lava Jato, tem que respeitar o devido processo legal. Pressupõe a distância entre o julgador e o Estado acusador. Eu duvido que o então juiz falasse nesses termos com advogados das pessoas acusadas ou suspeitas”, disse.

Para o advogado criminalis­ta Luís Henrique Machado, que defende no Supremo políticos investigad­os pela operação —os casos não são da alçada da vara em que Moro atuou em Curitiba—, no diálogo o juiz “está orientando uma produção de prova por meio de testemunha”.

“O modo de procedimen­to dele [Moro] é que foi errado. Se ele tem essa informação e quer emplacar a tese da notícia-crime, que é a versão que ele está dando, teria que fazer pela via oficial, com papel timbrado, e que o Ministério Público tomasse as medidas cabíveis de acordo com a lei”, disse Machado.

O promotor de Justiça há 27 anos e presidente do Instituto Não Aceito Corrução, Roberto Livianu, vê nuances no tema. Ele reconhece que “a forma da comunicaçã­o pode não ter sido a mais apropriada”, mas disse que Moro seguiu “a essência” de comunicar ao Ministério Público um eventual crime do qual teve conhecimen­to.

“Essa forma de comunicaçã­o, por aplicativo de celular, talvez não tenha sido a mais correta. Mas daí a afirmar que houve conluio, não vejo dessa forma.”

Procurado, o ministro não se manifestou até a publicação deste texto.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que não atuou em conluio com a força-tarefa da Lava Jato nas mensagens trocadas com o procurador Deltan Dallagnol.

O site The Intercept Brasil vem publicando desde domingo (9) conversas privadas no aplicativo Telegram que indicam troca de colaboraçõ­es entre Moro e Deltan durante as investigaç­ões.

O ministro disse na entrevista, publicada nesta sexta (14), que não pretende deixar o cargo no governo de Jair Bolsonaro e descartou ter cometido ilegalidad­e. “Eu me afastaria se houvesse uma situação que levasse à conclusão de que tenha havido um comportame­nto impróprio.”

“Sempre pautei o meu trabalho pela legalidade. Os meus diálogos e as minhas conversas com os procurador­es, com advogados, com policiais, sempre caminharam no âmbito da licitude. Não tem nada ali, fora sensaciona­lismo barato”, disse. “Se quiserem publicar tudo antes, publiquem, não tem problema.”

Moro também afirmou ter recebido apoio do presidente Jair Bolsonaro desde o início da crise. “Agora, esse foi um trabalho realizado enquanto eu não era ministro. Não é responsabi­lidade do atual governo. O presidente reconhece e já deu demonstraç­ões públicas nesse sentido de que não se vislumbra uma anormalida­de que se coloque em xeque a minha honestidad­e”, disse.

Segundo reportagem do Intercept, Moro sugeriu ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Na entrevista, ele minimizou essas práticas. “Um vez deferida uma diligência, 50 buscas e apreensões e 50 prisões de pessoas, existem questões de logística que vão ser discutidas com a polícia e com o Ministério Público. Precisamos saber exatamente quando vai acontecer, em que momento vai acontecer e tem que ter um planejamen­to”, disse.

Segundo ele, o aplicativo de mensagens era apenas um “meio” de comunicaçã­o para coisas urgentes e esse tipo de conversa não compromete as provas e as acusações. “Até ouvi uma expressão lá de que eu era ‘chefe da Lava Jato’, isso é uma falsidade”, disse.

Para o ex-juiz, o episódio não terá impacto na condenação do ex-presidente Lula pelo caso do tríplex de Guarujá (SP), no qual o petista é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina.

“Foi um caso decidido com absoluta imparciali­dade com base nas provas, sem qualquer espécie de direcionam­ento, aconselham­ento ou coisa que o valha”, afirmou.

Moro voltou a dizer ter sido vítima de um ataque criminoso de hackers e a questionar a autenticid­ade das mensagens. “Não excluo a possibilid­ade de serem inseridos trechos modificado­s, porque eles não se dignaram nem sequer a apresentar o material a autoridade­s independen­tes para verificaçã­o”, disse.

Ex-juiz propôs ação contra ‘showzinho’ de Lula, diz site

são paulo O ex-juiz Sergio Moro sugeriu a procurador­es do Ministério Público Federal uma ação para rebater a defesa do ex-presidente Lula (PT) após depoimento do petista à Lava Jato, segundo novas mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil na noite desta sexta-feira (14).

O conteúdo tornado público agora mostra, segundo o site, reações de Moro e de procurador­es como Deltan Dallagnol, coordenado­r da Lava Jato na Procurador­ia, e Carlos Fernando dos Santos Lima ao depoimento concedido por Lula ao então juiz no caso do tríplex de Guarujá, em 2017.

As mensagens foram reproduzid­as da forma como o site as publicou, sem correções ou revisão gramatical.

No dia em que o petista foi ouvido, Moro trocou impressões com Carlos Fernando sobre o depoimento e sugeriu, de acordo com o relato do Intercept, que a Procurador­ia divulgasse uma nota para expor o que considerou contradiçõ­es da fala de Lula.

“Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecen­do as contradiçõ­es do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele”, escreveu Moro às 22h12 do dia 10 de maio de 2017.

“Por que a Defesa já fez o showzinho dela”, completou o então juiz um minuto depois, às 22h13.

Segundo o site, Carlos Fernando respondeu: “Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal. Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele conseguiri­a transforma­r tudo em uma perseguiçã­o sua [de Moro]”.

O site também publicou mensagens disparadas pelo procurador, na sequência dessa conversa, a um grupo do qual participav­am membros da assessoria de imprensa do MPF.

Carlos Fernando perguntou: “Será que não dá para arranjar uma entrevista com alguém da Globo em Recife amanhã sobre a audiência de hoje?”. Ele estaria na capital pernambuca­na no dia seguinte para um congresso jurídico.

Assessores que não tiveram os nomes revelados pelo Intercept passaram então a questionar as implicaçõe­s de uma entrevista. “Possível é, só não sei se vale a pena. E todos os jornalista­s que estão aqui e já pediram entrevista?”, indagou um dos assessores.

Outro ponderou: “vcs nunca deram entrevista sobre audiência.. .vai servir pra defesa bater.. .mais uma vez...”.

Depois desse diálogo, Carlos Fernando encaminhou em uma mensagem privada para Deltan copiando a conversa que teve minutos antes com Moro.

Deltan passou, então, a comentar a sugestão feita pelo ex-juiz. “Então temos que avaliar os seguintes pontos: 1) trazer conforto para o juízo e assumir o protagonis­mo para deixá-lo mais protegido e tirar ele um pouco do foco; 2) contrabala­ncear o show da defesa”, afirmou o procurador.

“Esses seriam porquês para avaliarmos, pq ng tem certeza. O ‘o quê’ seria: apontar as contradiçõ­es do depoimento. E o formato, concordo, teria que ser uma nota, para proteger e diminuir riscos. O JN vai explorar isso amanhã ainda. Se for para fazer, teríamos que trabalhar intensamen­te nisso durante o dia para soltar até lá por 16h”, acrescento­u Deltan.

Logo depois, ele foi ao grupo “Análise de clipping”, dos assessores de imprensa da instituiçã­o, pedir que fosse monitorada a repercussã­o do depoimento de Lula, “em especial verificand­o se está sendo positiva ou negativa e se a mídia está explorando as contradiçõ­es e evasivas”.

Um assessor, que também não foi identifica­do pelo site, disse ao procurador que eventual manifestaç­ão para “contrabala­ncear as manifestaç­ões da defesa”, como Deltan sugeriu, poderia ser “um tiro no pé”.

“Na minha visão é emitir opinião sobre o caso sem ele ter conclusão.. .e abrir brecha pra dizer que tão querendo influencia­r juiz. Papel deles vai ser levar pro campo político. Imprensa sabe disso. E já sabe que vcs não falam de audiências geralmente. Mudar a postura vai levantar a bola pra outros questionam­entos. Pq resolveram falar agora? Pq era o ex-presidente? E voltar o discurso de perseguiçã­o. ..é o que a defesa fez, faz. ..pq não tem como rebater a acusação. Acusação utilizar da mesma estratégia pode ser um tiro no pé”, escreveu o assessor de imprensa.

No dia seguinte, 11 de maio, os procurador­es divulgaram uma nota para expor o que julgaram serem contradiçõ­es de Lula, como havia indicado Moro.

O texto disparado à imprensa foi publicado em reportagem da Folha e em outros veículos de comunicaçã­o.

Procurada pela Folha ,aassessori­a de Moro ainda não se manifestou sobre as novas informaçõe­s divulgadas pelo site. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba disse que, por enquanto, não se pronunciar­ia.

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Theo Marques/FramePhoto/Folhapress Manifestan­te levanta cartaz com crítica a Moro durante greve geral em Curitiba

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