Para especialistas, ex-juiz distorce leis ao explicar conversa
O ministro Sergio Moro (Justiça) distorceu duas leis, segundo especialistas consultados pela Folha, ao dar explicações sobre a conversa em que sugere ao procurador Deltan Dallagnol uma testemunha que poderia ser interessante ao Ministério Público Federal na Lava Jato.
No diálogo divulgado pelo site The Intercept Brasil, Moro informa a Deltan que uma pessoa teria informações ligadas a um dos filhos do ex-presidente Lula (PT) e poderia colaborar com as investigações.
Ao explicar esse diálogo, Moro disse ao jornal que se tratava de “uma notícia-crime” e afirmou que seu procedimento estava previsto em duas leis: o CPP (Código de Processo Penal), em seu artigo 40, e a LACP (Lei de Ação Civil Pública), no artigo 7º.
Segundo o ministro, essas leis diriam que, “quando o juiz tiver conhecimento de fatos que podem constituir crime ou improbidade administrativa, ele comunica o Ministério Público”.
O texto das duas leis, contudo, detalha como deve ser feita a comunicação e não autoriza o repasse da informação por meio de uma conversa informal, tal qual ficou registrado na troca de mensagens entre Moro e Deltan.
Segundo as leis, a informação do juiz ao Ministério Público deve ser encaminhada formalmente com documentos, no caso penal, e com a remessa de documentos extraídos do processo, no caso cível.
O advogado Francisco Caputo, que não atuou em nenhum processo ou inquérito derivado da Lava Jato, diz que o então juiz “deveria ter feito a comunicação de forma oficial, e não por bate-papo em aplicativo”. “Não tem por que ficar definindo estratégia com o Ministério Público ou dando conselhos sobre a investigação. Ele deveria ter comunicado oficialmente, conforme está na lei”, afirma Caputo.
O advogado pontua que a Lava Jato revelou crimes “inimagináveis, de gravidade infinitamente maior do que as eventuais irregularidades que agora estão sendo divulgadas”. “Porém o combate ao crime, de todo salutar e até inédito no país pela proporção que tomou com a Lava Jato, tem que respeitar o devido processo legal. Pressupõe a distância entre o julgador e o Estado acusador. Eu duvido que o então juiz falasse nesses termos com advogados das pessoas acusadas ou suspeitas”, disse.
Para o advogado criminalista Luís Henrique Machado, que defende no Supremo políticos investigados pela operação —os casos não são da alçada da vara em que Moro atuou em Curitiba—, no diálogo o juiz “está orientando uma produção de prova por meio de testemunha”.
“O modo de procedimento dele [Moro] é que foi errado. Se ele tem essa informação e quer emplacar a tese da notícia-crime, que é a versão que ele está dando, teria que fazer pela via oficial, com papel timbrado, e que o Ministério Público tomasse as medidas cabíveis de acordo com a lei”, disse Machado.
O promotor de Justiça há 27 anos e presidente do Instituto Não Aceito Corrução, Roberto Livianu, vê nuances no tema. Ele reconhece que “a forma da comunicação pode não ter sido a mais apropriada”, mas disse que Moro seguiu “a essência” de comunicar ao Ministério Público um eventual crime do qual teve conhecimento.
“Essa forma de comunicação, por aplicativo de celular, talvez não tenha sido a mais correta. Mas daí a afirmar que houve conluio, não vejo dessa forma.”
Procurado, o ministro não se manifestou até a publicação deste texto.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que não atuou em conluio com a força-tarefa da Lava Jato nas mensagens trocadas com o procurador Deltan Dallagnol.
O site The Intercept Brasil vem publicando desde domingo (9) conversas privadas no aplicativo Telegram que indicam troca de colaborações entre Moro e Deltan durante as investigações.
O ministro disse na entrevista, publicada nesta sexta (14), que não pretende deixar o cargo no governo de Jair Bolsonaro e descartou ter cometido ilegalidade. “Eu me afastaria se houvesse uma situação que levasse à conclusão de que tenha havido um comportamento impróprio.”
“Sempre pautei o meu trabalho pela legalidade. Os meus diálogos e as minhas conversas com os procuradores, com advogados, com policiais, sempre caminharam no âmbito da licitude. Não tem nada ali, fora sensacionalismo barato”, disse. “Se quiserem publicar tudo antes, publiquem, não tem problema.”
Moro também afirmou ter recebido apoio do presidente Jair Bolsonaro desde o início da crise. “Agora, esse foi um trabalho realizado enquanto eu não era ministro. Não é responsabilidade do atual governo. O presidente reconhece e já deu demonstrações públicas nesse sentido de que não se vislumbra uma anormalidade que se coloque em xeque a minha honestidade”, disse.
Segundo reportagem do Intercept, Moro sugeriu ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial.
Na entrevista, ele minimizou essas práticas. “Um vez deferida uma diligência, 50 buscas e apreensões e 50 prisões de pessoas, existem questões de logística que vão ser discutidas com a polícia e com o Ministério Público. Precisamos saber exatamente quando vai acontecer, em que momento vai acontecer e tem que ter um planejamento”, disse.
Segundo ele, o aplicativo de mensagens era apenas um “meio” de comunicação para coisas urgentes e esse tipo de conversa não compromete as provas e as acusações. “Até ouvi uma expressão lá de que eu era ‘chefe da Lava Jato’, isso é uma falsidade”, disse.
Para o ex-juiz, o episódio não terá impacto na condenação do ex-presidente Lula pelo caso do tríplex de Guarujá (SP), no qual o petista é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina.
“Foi um caso decidido com absoluta imparcialidade com base nas provas, sem qualquer espécie de direcionamento, aconselhamento ou coisa que o valha”, afirmou.
Moro voltou a dizer ter sido vítima de um ataque criminoso de hackers e a questionar a autenticidade das mensagens. “Não excluo a possibilidade de serem inseridos trechos modificados, porque eles não se dignaram nem sequer a apresentar o material a autoridades independentes para verificação”, disse.
Ex-juiz propôs ação contra ‘showzinho’ de Lula, diz site
são paulo O ex-juiz Sergio Moro sugeriu a procuradores do Ministério Público Federal uma ação para rebater a defesa do ex-presidente Lula (PT) após depoimento do petista à Lava Jato, segundo novas mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil na noite desta sexta-feira (14).
O conteúdo tornado público agora mostra, segundo o site, reações de Moro e de procuradores como Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato na Procuradoria, e Carlos Fernando dos Santos Lima ao depoimento concedido por Lula ao então juiz no caso do tríplex de Guarujá, em 2017.
As mensagens foram reproduzidas da forma como o site as publicou, sem correções ou revisão gramatical.
No dia em que o petista foi ouvido, Moro trocou impressões com Carlos Fernando sobre o depoimento e sugeriu, de acordo com o relato do Intercept, que a Procuradoria divulgasse uma nota para expor o que considerou contradições da fala de Lula.
“Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele”, escreveu Moro às 22h12 do dia 10 de maio de 2017.
“Por que a Defesa já fez o showzinho dela”, completou o então juiz um minuto depois, às 22h13.
Segundo o site, Carlos Fernando respondeu: “Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal. Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua [de Moro]”.
O site também publicou mensagens disparadas pelo procurador, na sequência dessa conversa, a um grupo do qual participavam membros da assessoria de imprensa do MPF.
Carlos Fernando perguntou: “Será que não dá para arranjar uma entrevista com alguém da Globo em Recife amanhã sobre a audiência de hoje?”. Ele estaria na capital pernambucana no dia seguinte para um congresso jurídico.
Assessores que não tiveram os nomes revelados pelo Intercept passaram então a questionar as implicações de uma entrevista. “Possível é, só não sei se vale a pena. E todos os jornalistas que estão aqui e já pediram entrevista?”, indagou um dos assessores.
Outro ponderou: “vcs nunca deram entrevista sobre audiência.. .vai servir pra defesa bater.. .mais uma vez...”.
Depois desse diálogo, Carlos Fernando encaminhou em uma mensagem privada para Deltan copiando a conversa que teve minutos antes com Moro.
Deltan passou, então, a comentar a sugestão feita pelo ex-juiz. “Então temos que avaliar os seguintes pontos: 1) trazer conforto para o juízo e assumir o protagonismo para deixá-lo mais protegido e tirar ele um pouco do foco; 2) contrabalancear o show da defesa”, afirmou o procurador.
“Esses seriam porquês para avaliarmos, pq ng tem certeza. O ‘o quê’ seria: apontar as contradições do depoimento. E o formato, concordo, teria que ser uma nota, para proteger e diminuir riscos. O JN vai explorar isso amanhã ainda. Se for para fazer, teríamos que trabalhar intensamente nisso durante o dia para soltar até lá por 16h”, acrescentou Deltan.
Logo depois, ele foi ao grupo “Análise de clipping”, dos assessores de imprensa da instituição, pedir que fosse monitorada a repercussão do depoimento de Lula, “em especial verificando se está sendo positiva ou negativa e se a mídia está explorando as contradições e evasivas”.
Um assessor, que também não foi identificado pelo site, disse ao procurador que eventual manifestação para “contrabalancear as manifestações da defesa”, como Deltan sugeriu, poderia ser “um tiro no pé”.
“Na minha visão é emitir opinião sobre o caso sem ele ter conclusão.. .e abrir brecha pra dizer que tão querendo influenciar juiz. Papel deles vai ser levar pro campo político. Imprensa sabe disso. E já sabe que vcs não falam de audiências geralmente. Mudar a postura vai levantar a bola pra outros questionamentos. Pq resolveram falar agora? Pq era o ex-presidente? E voltar o discurso de perseguição. ..é o que a defesa fez, faz. ..pq não tem como rebater a acusação. Acusação utilizar da mesma estratégia pode ser um tiro no pé”, escreveu o assessor de imprensa.
No dia seguinte, 11 de maio, os procuradores divulgaram uma nota para expor o que julgaram serem contradições de Lula, como havia indicado Moro.
O texto disparado à imprensa foi publicado em reportagem da Folha e em outros veículos de comunicação.
Procurada pela Folha ,aassessoria de Moro ainda não se manifestou sobre as novas informações divulgadas pelo site. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba disse que, por enquanto, não se pronunciaria.