Folha de S.Paulo

Diálogo sugere infração na tratativa com Odebrecht

Material divulgado por site aponta que Moro e Deltan quebraram sigilo na negociação de delação da empresa em 2016

- Ricardo Balthazar

Mensagens trocadas pelo ministro Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol em 2016, quando o Ministério Público Federal negociava a delação da Odebrecht, sugerem que eles ignoraram limites estabeleci­dos pela legislação para proteção de pessoas e empresas interessad­as em colaborar com a Justiça.

De acordo com as mensagens, publicadas nesta semana pelo site The Intercept Brasil, o procurador que chefia a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba repassou ao então juiz federal informaçõe­s sigilosas fornecidas pelos delatores da empresa ao Ministério Público e recebeu conselhos sobre a melhor forma de encaminhá-las.

Na época, Dallagnol tinha firmado com os representa­ntes da Odebrecht um termo de confidenci­alidade que o obrigava a manter as informaçõe­s sob sigilo até que um acordo fosse assinado e homologado pela Justiça, segundo advogados que participar­am das negociaçõe­s.

Além disso, a legislação não previa para Moro nenhum papel a ser exercido naquele momento. Embora ele fosse responsáve­l pelos processos da Lava Jato em Curitiba e cinco executivos da Odebrecht estivessem presos por ordem sua, ele não era parte das negociaçõe­s —nem deveria ser.

A Lei das Organizaçõ­es Criminosas, de 2013, que fixou regras para a negociação de acordos de colaboraçã­o premiada, exige o sigilo, diz que juízes não devem participar das negociaçõe­s e define como obrigações deles apenas a verificaçã­o e a homologaçã­o dos acordos, depois que são assinados.

O sigilo e o distanciam­ento do juiz são necessário­s para dar segurança aos delatores. “O juiz não pode participar das tratativas do acordo de colaboraçã­o, para não perder a imparciali­dade necessária para julgar o processo ao final”, diz o advogado André Callegari, autor de um livro recém-lançado sobre o tema.

Conforme as mensagens publicadas pelo Intercept, Dallagnol tratou da delação da Odebrecht com Moro em duas ocasiões. Dallagnol enviou a Moro em 21 de junho de 2016 um resumo dos primeiros relatos apresentad­os pelos advogados da Odebrecht aos procurador­es, incluindo os nomes de 32 políticos incriminad­os pelos colaborado­res da empreiteir­a.

A lista incluía o então presidente Michel Temer (MDB) e seus antecessor­es petistas, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDBRJ), e do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), hoje deputado. De acordo com a mensagem, a delação da Odebrecht citava 150 políticos.

Alguns nomes já tinham vazado para a imprensa na época, mas a lista ia muito além. Conforme levantamen­to feito pela Folha no noticiário de junho de 2016, somente 10 dos 32 nomes da lista de Dallagnol já haviam aparecido em jornais e revistas como citados pelos colaborado­res.

Em 15 de dezembro, duas semanas depois de fechar o acordo com a Odebrecht, Dallagnol enviou a Moro outro resumo, segundo o site. A nova mensagem não tinha nomes, mas indicava o alcance da colaboraçã­o ao afirmar que incriminav­a 301 políticos brasileiro­s, incluindo 41 deputados e 21 senadores, e 72 estrangeir­os.

Nesse dia, os delatores da Odebrecht ainda estavam prestando depoimento­s aos procurador­es e reunindo provas para corroborar seus relatos, e o material ainda não havia sido enviado ao ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.

Como a maioria dos políticos citados pela delação tinha direito a foro especial, coube ao STF homologar todos os acordos e distribuir a outras instâncias do Judiciário, como a vara federal que Moro presidia em Curitiba, os casos que não envolvesse­m políticos com foro no Supremo.

Segundo as mensagens divulgadas pelo Intercept, nas duas ocasiões Moro expressou a Dallagnol preocupaçã­o com as dificuldad­es que o Judiciário teria para investigar e julgar tantos casos.

“Acredito que a revelação dos fatos e abertura dos processos deveria ser paulatina [...] segundo gravidade e qualidade da prova”, opinou o juiz em junho, segundo o site. “Muitos inimigos e que transcende­m a capacidade institucio­nal do mp e judiciário”, observou em dezembro.

Havia limites à atuação de Moro e Dallagnol nessa época. Como a homologaçã­o da delação era responsabi­lidade do Supremo e o encaminham­ento do material cabia à Procurador­ia-Geral da República, eles tinham que esperar para saber quais casos seriam transferid­os para Curitiba.

Coube a Moro homologar depois o acordo de leniência fechado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal e autoridade­s dos Estados Unidos e da Suíça na mesma época.

Na opinião de advogados consultado­s pela Folha, que só aceitaram discutir a situação sob anonimato, a quebra de sigilo indicada pelo material divulgado põe em xeque a credibilid­ade da força-tarefa de Curitiba como interlocut­ora de boa-fé em negociaçõe­s desse tipo.

Procurado pela Folha, Moro não quis discutir o conteúdo das mensagens reveladas pelo The Intercept. “O ministro não reconhece a autenticid­ade de supostas mensagens obtidas criminosam­ente por hackers, que podem ter sido manipulada­s, sendo necessário que o site divulgador apresente o material original para análise de sua integralid­ade”, disse a assessoria do Ministério da Justiça.

A assessoria acrescento­u que a vara presidida por Moro quando era juiz só recebeu a íntegra dos acordos fechados com os executivos da Odebrecht após a homologaçã­o da delação em 2017 e o desmembram­ento feito pelo Supremo.

A força-tarefa de Curitiba informou que não se manifestar­ia sobre o assunto.

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