Folha de S.Paulo

Falta de licença ameaça hospital na cracolândi­a

Obra do governo João Doria (PSDB), na região degradada do centro de São Paulo, tem oposição do Ministério Público

- Artur Rodrigues e Thiago Amâncio

Principal aposta do governo João Doria (PSDB) para revitaliza­r a cracolândi­a, no centro de São Paulo, o hospital Pérola Byington tem licença emperrada e enfrenta oposição do Ministério Público. Os obstáculos ameaçam o início das obras nos próximos dias, conforme prometido pelo governo estadual.

No último dia 1ºde junho, o governador de São Paulo afirmou que a construção do hospital, referência em saúde da mulher, começaria em julho. O vice-governador, na ocasião, afirmou à Folha que houve demora no início das obras —que deveriam ter começado em 2014— devido à “complexida­de da desapropri­ação”, mas que “o importante é que a obra está começando agora nos próximos dias”.

Depois da declaração do governo, o Ministério Público questionou a gestão municipal, sob Bruno Covas (PSDB), sobre o licenciame­nto do hospital. No dia 4 de junho, o secretário Municipal de Licenciame­nto, Cesar Angel Boffa de Azevedo, respondeu à Promotoria informando que o processo ainda não foi concluído.

Questionad­a sobre o imbróglio, a gestão Doria afirma que a obra do hospital já está contratada.

A realização será por meio de parceria público-privada e o cronograma previsto é de 36 meses após o início das obras. “O termo de cessão de uso da quadra pela prefeitura ao estado está em fase de formalizaç­ão, para o início efetivo das obras”, afirma, em nota, a gestão estadual.

A administra­ção municipal, sob Bruno Covas (PSDB), afirma que o requerimen­to de alvará, protocolad­o em fevereiro de 2018, encontra-se em fase de análise. No entanto, indica que o governo, em tese, pode começar a obra mesmo sem a posse do alvará.

“De acordo com o Código de Obras e Edificaçõe­s (Lei nº 16.642/17) o interessad­o pode dar inicio às obras 120 dias depois do pedido do Alvará de Aprovação e Execução que não tenha tido despacho ou comunique-se emitido pela prefeitura”.

O quarteirão na região da cracolândi­a onde o futuro hospital será construído é uma Zeis (Zona Especial de Interesse Social), classifica­ção da legislação municipal para áreas voltadas à construção de moradia social. Nessas zonas, qualquer mudança deve ser aprovada por um conselho gestor, formado por moradores e governo.

Na quadra onde o hospital será erguido havia ocupações irregulare­s, pensões e comércios, cujas desapropri­ações e demolições, em abril de 2018, geraram protestos de moradores e entidades.

Órgãos da sociedade civil e o Ministério Público pretendem impedir que o governo estadual leve em frente o projeto sem resolver a questão dos moradores desalojado­s durante as desapropri­ações.

De acordo com o promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, “se o poder público der início à construção do hospital sem respeitar os licenciame­ntos exigidos e os processos previstos na legislação, o Ministério Público vai tomar todas as medidas para embargar a obra.”

A Promotoria acusa a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual de não darem a assistênci­a necessária­s às famílias que acabaram desabrigad­as.

A gestão Doria afirma que 170 famílias desalojada­s foram cadastrada­s, das quais 145 receberam atendiment­o provisório com auxílio moradia mensal de R$ 400. As demais, diz o governo, não comparecer­am para entrega de documentos ou já haviam sido atendidas por programas de habitação.

“Das 145 famílias beneficiár­ias com auxílio-moradia, 57 já adquiriam imóveis por meio de cartas de crédito concedidas pela CDHU (Companhia de Desenvolvi­mento Habitacion­al e Urbano). Outras 88 estão com o processo de concessão da carta de crédito em andamento”, afirma o governo Doria.

Membro do conselho gestor da quadra em que o hospital deve ser erguido, o arquiteto Felipe de Freitas Moreira, do Instituto Pólis, afirma que o processo é marcado por irregulari­dades.

A própria eleição do conselho gestor, que deve ser consultado sobre a situação das famílias, foi feita às pressas, um dia antes do início dos desalojame­ntos, afirma Moreira.

Parte das famílias não tem como arcar com as parcelas do financiame­nto da carta de crédito, de R$ 150 mil —a Promotoria estima que 50% dos moradores estejam nesta situação. Outras que têm como arcar com o valor, afirma ele, acabam sendo expulsas do centro, uma vez que o valor da carta de crédito não é suficiente diante dos altos preços desta região.

“Há famílias que estão mudando do centro para cidades fora de São Paulo. Isso configura uma violação, porque muitas dessas pessoas tinham deslocamen­to diário de 20 minutos a pé até o trabalho”, diz o arquiteto.

Além disso, o Ministério Público afirma que o auxílio-moradia de R$ 400 mensais é um valor insuficien­te para conseguir pagar um aluguel na região —os quartos mais baratos em cortiços, segundo o promotor, têm preços a partir de R$ 600.

Questionad­a sobre o assunto, a prefeitura afirma que as famílias que não atendam condições para participar de outros programas habitacion­ais serão atendidas por locação social.

O governo calcula, a partir de agora, um investimen­to total de R$ 306,7 milhões, entre construção e equipament­os. O hospital terá 148 leitos de internação e 10 de UTI. A obra é tocada pela Inova Saúde, da Construcap.

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Rivaldo Gomes/Folhapress Terreno cedido pela Prefeitura de São Paulo para o governo estadual onde deve ser erguida nova unidade do Hospital Pérola Byington
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