Falta de licença ameaça hospital na cracolândia
Obra do governo João Doria (PSDB), na região degradada do centro de São Paulo, tem oposição do Ministério Público
Principal aposta do governo João Doria (PSDB) para revitalizar a cracolândia, no centro de São Paulo, o hospital Pérola Byington tem licença emperrada e enfrenta oposição do Ministério Público. Os obstáculos ameaçam o início das obras nos próximos dias, conforme prometido pelo governo estadual.
No último dia 1ºde junho, o governador de São Paulo afirmou que a construção do hospital, referência em saúde da mulher, começaria em julho. O vice-governador, na ocasião, afirmou à Folha que houve demora no início das obras —que deveriam ter começado em 2014— devido à “complexidade da desapropriação”, mas que “o importante é que a obra está começando agora nos próximos dias”.
Depois da declaração do governo, o Ministério Público questionou a gestão municipal, sob Bruno Covas (PSDB), sobre o licenciamento do hospital. No dia 4 de junho, o secretário Municipal de Licenciamento, Cesar Angel Boffa de Azevedo, respondeu à Promotoria informando que o processo ainda não foi concluído.
Questionada sobre o imbróglio, a gestão Doria afirma que a obra do hospital já está contratada.
A realização será por meio de parceria público-privada e o cronograma previsto é de 36 meses após o início das obras. “O termo de cessão de uso da quadra pela prefeitura ao estado está em fase de formalização, para o início efetivo das obras”, afirma, em nota, a gestão estadual.
A administração municipal, sob Bruno Covas (PSDB), afirma que o requerimento de alvará, protocolado em fevereiro de 2018, encontra-se em fase de análise. No entanto, indica que o governo, em tese, pode começar a obra mesmo sem a posse do alvará.
“De acordo com o Código de Obras e Edificações (Lei nº 16.642/17) o interessado pode dar inicio às obras 120 dias depois do pedido do Alvará de Aprovação e Execução que não tenha tido despacho ou comunique-se emitido pela prefeitura”.
O quarteirão na região da cracolândia onde o futuro hospital será construído é uma Zeis (Zona Especial de Interesse Social), classificação da legislação municipal para áreas voltadas à construção de moradia social. Nessas zonas, qualquer mudança deve ser aprovada por um conselho gestor, formado por moradores e governo.
Na quadra onde o hospital será erguido havia ocupações irregulares, pensões e comércios, cujas desapropriações e demolições, em abril de 2018, geraram protestos de moradores e entidades.
Órgãos da sociedade civil e o Ministério Público pretendem impedir que o governo estadual leve em frente o projeto sem resolver a questão dos moradores desalojados durante as desapropriações.
De acordo com o promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, “se o poder público der início à construção do hospital sem respeitar os licenciamentos exigidos e os processos previstos na legislação, o Ministério Público vai tomar todas as medidas para embargar a obra.”
A Promotoria acusa a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual de não darem a assistência necessárias às famílias que acabaram desabrigadas.
A gestão Doria afirma que 170 famílias desalojadas foram cadastradas, das quais 145 receberam atendimento provisório com auxílio moradia mensal de R$ 400. As demais, diz o governo, não compareceram para entrega de documentos ou já haviam sido atendidas por programas de habitação.
“Das 145 famílias beneficiárias com auxílio-moradia, 57 já adquiriam imóveis por meio de cartas de crédito concedidas pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Outras 88 estão com o processo de concessão da carta de crédito em andamento”, afirma o governo Doria.
Membro do conselho gestor da quadra em que o hospital deve ser erguido, o arquiteto Felipe de Freitas Moreira, do Instituto Pólis, afirma que o processo é marcado por irregularidades.
A própria eleição do conselho gestor, que deve ser consultado sobre a situação das famílias, foi feita às pressas, um dia antes do início dos desalojamentos, afirma Moreira.
Parte das famílias não tem como arcar com as parcelas do financiamento da carta de crédito, de R$ 150 mil —a Promotoria estima que 50% dos moradores estejam nesta situação. Outras que têm como arcar com o valor, afirma ele, acabam sendo expulsas do centro, uma vez que o valor da carta de crédito não é suficiente diante dos altos preços desta região.
“Há famílias que estão mudando do centro para cidades fora de São Paulo. Isso configura uma violação, porque muitas dessas pessoas tinham deslocamento diário de 20 minutos a pé até o trabalho”, diz o arquiteto.
Além disso, o Ministério Público afirma que o auxílio-moradia de R$ 400 mensais é um valor insuficiente para conseguir pagar um aluguel na região —os quartos mais baratos em cortiços, segundo o promotor, têm preços a partir de R$ 600.
Questionada sobre o assunto, a prefeitura afirma que as famílias que não atendam condições para participar de outros programas habitacionais serão atendidas por locação social.
O governo calcula, a partir de agora, um investimento total de R$ 306,7 milhões, entre construção e equipamentos. O hospital terá 148 leitos de internação e 10 de UTI. A obra é tocada pela Inova Saúde, da Construcap.