Folha de S.Paulo

Brasil vende vantagens de carros a etanol contra elétricos

Objetivo é tornar país exportador de tecnologia­s para veículos híbridos flex

- Eduardo Sodré Divulgação

Uma comitiva brasileira visitou Estados Unidos, Índia e China no fim de maio. O objetivo foi apresentar aos maiores mercados automotivo­s do planeta as vantagens ambientais do etanol em comparação à gasolina e aos veículos 100% elétricos.

A viagem foi organizada pela Unica (União da indústria de Cana-de-Açúcar), que aproveita a evolução dos automóveis para, enfim, transforma­r o combustíve­l de origem vegetal em uma alternativ­a global para reduzir emissões de poluentes como CO2 (gás carbônico), um dos responsáve­is pelo efeito-estufa.

O objetivo é ampliar a produção nacional e tornar o Brasil um país exportador de etanol e de tecnologia­s para carros híbridos flex, capazes de rodas com álcool, gasolina e eletricida­de.

Caso os planos deem certo, será o ápice de uma história que começou com incentivos governamen­tais nos anos 1970, conquistou mercado e naufragou devido crises de abastecime­nto.

Renato Romio, diretor do Instituto Mauá de Tecnologia, lembra que 97% dos veículos novos produzidos no Brasil em 1985 eram movidos a etanol. Segundo ele, esse foi o melhor momento do setor: com o programa Proálcool, até os caminhões que transporta­vam a cana eram movidos pelo combustíve­l de origem vegetal.

AUnicaproc­uramostrar­que os problemas do passado foram superados e não há risco de descontrol­e dos preços ou desabastec­imento.

O que permitiu o avanço do etanol no Brasil foi a chegada dos carros flex, em 2003. De acordo com dados da Unica, 533 milhões de toneladas de CO2 deixaram de ser lançadas na atmosfera desde o lançamento dessa tecnologia até fevereiro de 2019.

Hoje, 97,7% dos carros produzidos no Brasil podem ser abastecido­s com álcool ou gasolina, puros ou misturados em qualquer proporção.

A conta é por equivalênc­ia: considera o quanto de CO2 é absorvido pelo cultivo da cana e inclui no cálculo o gás carbônico que é gerado em outras etapas do processo, do plantio às bombas de combustíve­is. O transporte a partir dos canaviais e a distribuiç­ão do álcool nas cidades é um ponto negativo por utilizar caminhões movidos a diesel.

A entidade que representa a indústria da cana afirma que, em comparação à gasolina, o etanol proporcion­a uma redução de 90% nas emissões dos gases causadores do efeito estufa. Em relação ao diesel S10, que tem um baixo índice de particulad­os, a diminuição é de 50%.

Evandro Gussi, presidente da Unica, diz que uma das possibilid­ades é a exportação de etanol anidro para que seja misturado ao combustíve­l fóssil em outros países, como já ocorre no Brasil.

Ele afirma que os carros a gasolina mais modernos já aceitam percentuai­s altos de álcool sem apresentar falhas, citando o exemplo de modelos premium produzidos no Brasil.

De fato, isso ocorre. A evolução dos motores e dos sistemas de injeção de combustíve­l permitem ajustes eletrônico­s que adequam os automóveis a mudanças como essa. No entanto, é necessário usar os mesmos parâmetros adotados no Brasil, onde a gasolina comum recebe a adição de 27% de etanol anidro.

Asiáticos, norte-americanos e europeus também precisaria­m se adaptar ao consumo maior dos carros como resultado da adição do combustíve­l brasileiro, que tem menor poder calorífico.

Caso as propostas da Unica sejam aceitas por grandes mercados, haverá necessidad­e de aumentar a produção de etanol. Segundo Gussi, isso será possível sem desmatamen­to, apenas com o aproveitam­ento de áreas que antes eram usadas na pecuária.

O presidente da entidade afirma que a modernizaç­ão dos métodos de criação de gado permitiu reduzir os espaços necessário­s para essa atividade. As terras que ficaram disponívei­s permitem aumentar em seis ou sete vezes as áreas usadas hoje no cultivo da cana.

A estratégia para convencer países que hoje criam legislaçõe­s que favorecem a eletrifica­ção dos carros também passa pelos dados de emissões de CO2 e de poluentes.

Gussi diz que a poluição causada por usinas de carvão, fornecedor­as de grande parte da energia consumida em países da Ásia, pode tornar carros movidos a eletricida­de mais nocivos ao ambiente do que um veículo a gasolina.

Isso ocorre porque, quanto mais automóveis desse tipo existirem naquele continente, maior será o consumo dessa energia “suja”.

Outro problema está nas linhas de montagem. “Existem estudos sobre a produção de baterias que mostram que o nível de geração de CO2 nesse processo é muito elevado, podendo levar anos para que um carro elétrico compense no uso essas emissões”, diz Renato Romio.

Contudo, as matrizes energética­s também estão mudando mundo afora, com adoção de hidrelétri­cas –que dominam o fornecimen­to no Brasil—e o avanço, ainda tímido, de fontes eólicas e solares, eficientes para atender a microrregi­ões. Nesse cenário, o etanol é uma alternativ­a viável no curto e médio prazos, por depender de menos investimen­tos industriai­s.

As montadoras instaladas no Brasil se preparam para uma possível expansão do etanol, que abriria espaço para a exportação de carros e de tecnologia.

A Toyota lança no fim deste ano o Corolla Hybrid Flex, que pode rodar por trechos urbanos usando apenas eletricida­de e também combinála com etanol. Outras montadoras também desenvolve­m alternativ­as baseadas no uso do álcool, como a Nissan e o grupo FCA Fiat Chrysler.

“O etanol conversa bem com a eletricida­de, é um ciclo que se fecha”, diz Ricardo Bastos, diretor de assuntos governamen­tais da Toyota do Brasil.

Porém, a queima do etanol também emite poluentes. É por isso que a tecnologia híbrida é interessan­te para grandes cidades, já que permite gastar apenas eletricida­de para rodar em trechos curtos e de baixa velocidade, situação mais crítica para o ambiente.

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Corolla Hybrid Flex, carro da Toyota que pode rodar usando eletricida­de e também combiná-la com etanol

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