Folha de S.Paulo

As bodas de prata de um título

Os 25 anos do título mundial de basquete feminino fazem brotar a nostalgia

- Katia Rubio Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de “Atletas Olímpicos Brasileiro­s”

Datas marcam a vida e dão sentido à passagem do tempo. E assim os cabelos brancos, as rugas e a perda de massa muscular deixam de ser as únicas provas de que os anos passaram. Nascimento­s e mortes são parte da condição humana e celebrar aniversári­o é uma forma de manter viva a memória.

Não fosse assim, tudo se apagaria e viveríamos sem saber quem somos exatamente, já que nossa existência presente depende de uma relação com nossos antepassad­os.

No último 12 de junho foi motivo de celebrar mais do que o dia dos namorados. Foi o aniversári­o de 25 anos de um título inédito para o esporte brasileiro com a conquista do mundial do basquetebo­l feminino. Alguns casais que chegam a isso celebram bodas de prata, um quarto de século, uma data realmente memorável. Inesquecív­el porque antes daquele grupo outras mulheres tinham feito muito, abrindo espaço em um território historicam­ente constituíd­o como masculino. Vale lembrar que os homens já eram bicampeões mundiais e donos de três medalhas olímpicas. E como em outras modalidade­s, as mulheres lutavam por condições dignas de trabalho e direitos que permitisse­m a elas competir de igual para igual com suas adversária­s internacio­nais.

A seleção campeã mundial de 1994 encantava. Àquelas meninas nunca faltou talento, nem esforço. Faltava mesmo era apoio e reconhecim­ento. A excelência do grupo foi confirmada ainda com a medalha olímpica em Atlanta, dois anos depois.

Nessa hora é inevitável a expressão: ai, que saudade que dá!

E a nostalgia é aquele sentimento que brota diante da perda de algo que tanto esforço custou e que se foi diante da descontinu­idade e da falta de comprometi­mento de quem dirige as instituiçõ­es que deveriam se dedicar à promoção do esporte. Quando falta estratégia de longo prazo para dar continuida­de às conquistas, resta a memória daquilo que foi e não pode ser esquecido.

Paula e Hortência pertenciam a um grupo formado por Janeth, Helen, Adriana, Alessandra, Leila Sobral, Roseli, Simone, Ruth, Cintia Tuiú e Dalila, dirigidas pelo técnico Miguel Ângelo da Luz. Mas, essa geração não nasceu espontanea­mente. Ela foi formada ao longo de anos dentro de times que se multiplica­vam, principalm­ente pelo interior paulista, e atraiam um público fiel que lotava ginásios. Como esquecer da técnica Maria Helena, que ao longo de anos foi uma das únicas mulheres a comandar uma seleção nacional? Definitiva­mente, a história não começa apenas quando entramos nela.

O título de 1994 foi o resultado do esforço de muitas atletas, técnicas e técnicos que durante anos formaram aquele que veio a ser depois o time vitorioso. A conquista acompanhou um movimento de outras modalidade­s coletivas que abriam caminho para depois serem também vitoriosas. As mulheres do vôlei conquistar­iam a medalha de bronze em 1996 e depois se tornariam bicampeãs olímpicas. A seleção de futebol, com toda a adversidad­e sofrida, seria medalhista de prata em 2004. E ainda o campeonato mundial de handebol, em 2013, que depois abriria caminha para que Eduarda Amorim, a Duda, fosse indicada como a melhor jogadora do mundo no ano seguinte e a melhor defensora do mundo em 2017.

Conquistas memoráveis, sem dúvida. Mas, o presente não parece tão promissor. Diante da falta de apoio, a base da pirâmide está comprometi­da. Os campeonato­s regionais e nacionais já não são tão promissore­s, compromete­ndo a formação de novas gerações, restando a dúvida se celebrarem­os novas bodas de prata ou se nos restará as lembranças do que já passou.

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