Folha de S.Paulo

Toronto fez as mudanças certas para conquistar a NBA

Para chegar ao topo, time canadense passou por incontávei­s zigue-zagues

- Scott Cacciola Tradução de Paulo Migliacci

Por seis jogos, Fred VanVleet ficou encarregad­o da tarefa mais difícil de sua vida: grudar em um dos maiores arremessad­ores da história da NBA, para ajudar o Toronto Raptors a buscar seu lugar na história. Assim, por seis jogos, ele perseguiu Stephen Curry, do Golden State Warriors.

Seis jogos de cortes secos para dentro do garrafão, dribles cruzados e corta-luzes impiedosos. “Um milhão de cortaluzes”, disse VanVleet.

Era como correr no mar revolto, preparado para encarar ondas e mais ondas.

Mas na noite de quinta (13), quando os Raptors começaram a celebrar seu primeiro título na NBA depois de uma vitória por 114 a 110 contra o Golden State no sexto jogo das finais, VanVleet, usando uma camiseta comemorati­va do título, encharcada em champanhe, e exibindo os pontos que levou embaixo do olho depois de uma colisão com um rival, refletiu sobre seu papel.

“Não somos astros reluzentes”, disse. “Temos caras que tiveram de seguir o caminho mais longo, que começaram da lama, que tiveram de superar obstáculos. Nosso time está repleto de caras como esses, vindos de toda parte, de todas da origens, com histórias de vida muito diferentes; e foi assim que chegamos aqui. Mas temos talento. Pode ter certeza de que temos talento”.

É justo dizer que os Raptors têm, na verdade, um desses astros cintilante­s: Kawhi Leonard, o longilíneo ala escolhido como melhor jogador das finais depois de conseguir uma média de 28,5 pontos e 9,8 rebotes contra os Warriors. Mas Leonard estava ansioso por dividir o prêmio com Kyle Lowry, armador com presença frequente nas seleções de melhores jogadores da NBA e que foi uma das poucas presenças constantes no time nas últimas temporadas.

O percurso dos Raptors para o título com certeza não foi uma linha reta. Em cada uma das três temporadas precedente­s, o time foi eliminado nos playoffs pelo Cleveland Cavaliers de LeBron James, e a saída dele, para o Los Angeles Lakers, no final da temporada passada, criou uma oportunida­de que o Toronto estava ansioso por explorar. Mas a oportunida­de só surgiu graças a anos de riscos calculados e mudanças de pessoal orquestrad­as por Masaj Ujiri, o presidente de operações de basquete do time. Para chegar ao topo, os Raptors passaram por zigue-zagues incontávei­s.

“Conseguir o título com o grupo de jogadores que temos foi maravilhos­o”, disse Lowry, que marcou 26 pontos na quinta-feira. “Para mim, continua a ser meio surreal”.

A jogada de risco mais aparente de Ujiri foi, é claro, a troca que levou Leonard ao seu time, depois do final da temporada passada. Leonard só tinha um ano restando em seu contrato e não tinha mencionado Toronto como um de seus destinos preferenci­ais. A troca também envolveu a transferên­cia de DeMar DeRozan, negociado com o San Antonio Spurs depois de nove temporadas com o Raptors.

Leonard, ciente de que Lowry e DeRozan eram amigos, enviou uma mensagem de texto a Lowry depois da troca.

“Eu o convidei para sair, para fazer alguma coisa especial”, recorda Leonard. “Disse que sabia que o melhor amigo dele tinha sido trocado, e que ele com certeza estava furioso. Mas pedi que me ajudasse a fazer o negócio funcionar. E olhe só onde viemos parar”.

A outra grande decisão de Ujiri no final da temporada passada foi demitir o treinador Dwane Casey e contratar Nick Nurse, um treinador assistente que passou a maior parte de sua carreira no exterior e na G League da NBA.

Nurse não tinha experiênci­a alguma como treinador da NBA, mas nunca pareceu assustado com as novas responsabi­lidades. Essa tranquilid­ade fez dele o comandante perfeito para um time de jogadores batalhador­es.

“Jogamos dois meses de playoffs e os jogadores em nenhum momento me pareceram cansados”, disse Nurse. “Mentalment­e, eles continuara­m a pedir para ver vídeos, para falar sobre algumas coisas, para continuar aprendendo e melhorando”.

Os Raptors transforma­ram o desenvolvi­mento de jogadores em uma forma de ciência. Há apenas dois anos, Pascal Siakam (27º escolhido no draft de 2016) e VanVleet (que estudou na Universida­de Estadual de Wichita e não foi selecionad­o no draft na NBA) formavam uma dupla vencedora no Raptors 905, o time de desenvolvi­mento da franquia, para o título da G League em 2017.

Sob o comando de Nurse, os dois florescera­m, e se tornaram astros instantâne­os nos playoffs. Na quinta, o ala de força Siakam, 25, conhecido pelo apelido “Spicy P”, marcou 26 pontos e conseguiu 10 rebotes, e VanVleet, além de cuidar da marcação de Curry, marcou 10 de seus 22 pontos no quarto período.

Foi uma série momentosa para VanVleet, armador que começou na NBA há apenas três anos. Ele marcou 15 pontos, vindo do banco, no jogo um; perdeu parte de um dente depois de uma cotovelada no jogo quatro; e fez uma série de jogadas cruciais no jogo seis. Converteu cinco arremessos de três pontos, entre os quais o que deu aos Raptors a liderança definitiva na partida, com menos de quatro minutos no relógio.

Depois que o jogo acabou, VanVleet e Curry trocaram um abraço. “Ele é batalhador”, disse Curry. “Obviamente encarei muitos defensores, mas foi ele que aceitou o desafio. E agora é o campeão. Foi merecido”.

O veterano armador Danny Green foi congratula­do na saída do vestiário por Vince Carter, 42, um ala e armador que durante muito tempo foi o símbolo dos Raptors, na época em que a equipe buscava apenas ser respeitada.

Já a atual encarnação dos Raptors acreditava ser capaz de ir além. E provou isso. “É inacreditá­vel”, disse VanVleet.

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Thearon W. Henderson/Getty Images/AFP Fred VanVleet, do Toronto Raptors, passa por Stephen Curry no último jogo das finais da NBA

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