Folha de S.Paulo

Ele era obsessivo por essa coisa da juventude que tem talento e gostou de mim

- Washington Olivetto

Conheci André Midani quando eu tinha 19 anos. Naquele momento, eu estava começando a ser o Washington Olivetto, mas ele já era o André Midani fazia tempo. Ou seja, eu tinha acabado de ganhar o meu primeiro prêmio internacio­nal de publicidad­e, em Veneza, mas ele já tinha sido o nome por trás da bossa nova e do tropicalis­mo. Eu era promissor. Ele, consagrado.

Ele era obsessivo por essa coisa da juventude com talento e gostou de mim. Achou que eu era um garoto com potencial para fazer coisas interessan­tes. Eu já o tinha como um ídolo, porque a música pop sempre foi meu radar social.

Um belo dia, fui fazer uma campanha para a Associação Brasileira dos Produtores de Discos, da qual ele era o presidente. Era sobre dar discos de presente. E fizemos algumas campanhas que foram muito interessan­tes. Fiz também campanhas para discos específico­s. Algumas inclusive ganharam prêmios. E isso foi acentuando cada vez mais a nossa amizade.

Houve um período em que ele achava que já tinha feito tudo o que podia na música. E que estava tudo muito chato. Lembro que nós saímos em São Paulo para tomar um drinque e ele começou a falar sobre isso. Foi quando ele decidiu fazer uma nova revolução na música brasileira: o rock. Foi o período de Titãs, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha. Uma das primeiras pessoas a ter a gravação de “Inútil”, do Ultraje, fui eu. O Midani me deu de presente.

Depois, nós montamos uma confraria em São Paulo, que promovia reuniões com a modesta intenção de mudar o Brasil e o mundo e que tinha como confrades o Alberto Dines, o Midani, a Gloria Kalil, o José Victor Oliva, o Thomaz Souto Corrêa, o Walter Clark e eu.

Nesse período, eu tinha começado —por conta do Midani— a fazer muita coisa com a música popular na publicidad­e. As primeiras gravações da música popular brasileira com a publicidad­e, que são muito creditadas a mim, foram colaboraçõ­es do Midani.

Tínhamos muitos amigos em comum, como o Gil, o Caetano, o Jorge Ben Jor. Nesse tempo todo, Midani e eu estivemos muito juntos e em muitos lugares, como no festival de jazz de Montreux. Conheci muita coisa por causa dele.

Em 2001, eu fui sequestrad­o. Ele era o manda-chuva da Warner em Nova York, mas fez questão de vir ao Brasil e ficar ajudando minha mulher, Patrícia. Tanto que, naquele ano, ele tinha um prêmio de personalid­ade da música para receber em Cannes, no Midem, mas não foi porque ficou os 53 dias do sequestro no Brasil.

Em 2004, nasceu a minha filha Antônia. Eu e Patrícia o convidamos para ser padrinho dela. Continuamo­s cada vez mais ligados, até que me mudei para Londres, onde estou morando, e recebi a notícia da morte. Num momento em que o Brasil nunca precisou tanto dele. Num momento em que o Brasil nunca precisou tanto de Andrés Midanis.

Fiquei muito triste, claro. Anteontem entreguei para a editora meu novo livro, que não tinha uma dedicatóri­a específica para ninguém. Hoje pela manhã liguei e pedi para a editora que pusesse na abertura do livro uma dedicatóri­a, que diz: “Ao padrinho da Antônia, André Midani, meu super-herói, que saiu voando no dia 13 de junho de 2019”.

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