Folha de S.Paulo

Vinicius Torres Freire

Era uma vez o governo de superminis­tros

- Paulo Saldaña, Mariana Carneiro e William Castanho Colaborou Júlia Barbon

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ameaçou demitir o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social), Joaquim Levy, mesmo sem a anuência do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Bolsonaro disse que Levy “está com a cabeça a prêmio há algum tempo”. O clima teria piorado, segundo ele, depois de Levy indicar um executivo que trabalhou em gestão do PT. Procurado, Levy não foi localizado.

“Eu já estou por aqui com o [Joaquim] Levy. Falei para ele demitir esse cara [Marcos Barbosa Pinto] na segunda-feira [17] ou eu demito você, sem passar pelo Paulo Guedes”, disse Bolsonaro diante do Palácio da Alvorada, no início da tarde deste sábado (15).

Barbosa Pinto foi assessor do BNDES no governo Luiz Inácio Lula da Silva e voltaria ao banco para o cargo de diretor de Mercado de Capitais, a partir desta segunda.

Ele tomou posse na quarta-feira (12).

O advogado apresentou uma carta de renúncia a Levy. “Tenho muito orgulho da carreira que construí ao longo dos anos, seja no governo, seja na academia, seja no mercado financeiro”, afirmou.

Levado por Guedes para a presidênci­a do BNDES, Levy foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff e secretário do Tesouro no governo Lula.

O presidente disse que “governo é assim, não pode ter gente suspeita” em cargos importante­s. “Essa pessoa, o Levy, já vem há algum tempo não sendo aquilo que foi combinado e aquilo que ele conhece a meu respeito”, disse.

Questionad­o se Levy estaria demitido, Bolsonaro negou.

Nos bastidores, nomes para substituir o executivo já começaram a circular.

Entre os cotados estão o secretário de Desestatiz­ação e Desinvesti­mento, Salim Mattar, e superinten­dente da Susep, Solange Vieira, que é funcionári­a de carreira do BNDES.

Nenhuma sondagem foi formalment­e realizado até a noite deste sábado (15).

Em entrevista a Gerson Camarotti, do G1, Guedes disse entender a angústia de Bolsonaro, sugerindo estar ele também insatisfei­to com o trabalho de Levy no banco.

“O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro”, afirmou ao G1.

Guedes referia-se às investigaç­ões de possíveis responsáve­is por empréstimo­s concedidos pelo banco a empreiteir­as, durante os governos do PT, para obras no exterior. Em troca, elas pagariam propina.

Até o momento, nenhum funcionári­o do banco foi apontado como participan­te do esquema, mas Bolsonaro e Guedes insistem no discurso de abrir a “caixa-preta” do BNDES.

Outro motivo de descontent­amento do ministro com Levy é a resistênci­a do presidente do banco em devolver o dinheiro injetado no BNDES no passado.

Guedes já disse que espera receber R$ 126 bilhões neste ano, mas Levy não se compromete­u com a cifra. Os recursos são tratados como necessário­s para ajudar no ajuste fiscal do governo.

Diante das afirmações, é difícil que Levy permaneça no cargo. Ele deve se manifestar neste domingo (16).

Barbosa Pinto tentou falar com Levy ao longo deste dia, mas não obteve retorno.

“É com pesar que entrego esta carta, logo após ter tomado posse, mas não quero continuar no cargo diante do descontent­amento manifestad­o pelo presidente da República”, escreveu o advogado na carta.

Ele foi sócio durante sete anos de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, na Gávea Investimen­tos.

Segundo Barbosa Pinto, em razão de sua experiênci­a acreditava que poderia contribuir na implementa­ção de reformas econômicas importante­s para o país.

Ele destacou a relevância do banco para o país. Segundo ele, seu desejo era ajudar no seu fortalecim­ento. “Infelizmen­te, isso não será possível.”

Ele disse admirar o trabalho de Levy e agradeceu o corpo técnico do BNDES. Barbosa Pinto não quer se envolver em uma disputa política no governo.

Ex-presidente do Banco Central e colunista da Folha, o economista Arminio Fraga disse que Levy deveria deixar o governo. “Levy deveria pedir demissão antes de ele ser demitido na segunda-feira.”

“Essa polarizaçã­o e essa radicaliza­ção me parecem um absurdo”, afirmou Fraga. “[Essa polarizaçã­o] me parece ser o oposto do que o país precisa neste momento, o país precisa acertar sua vida.”

O episódio sobre Barbosa Pinto causa espanto pela motivação da “pré-demissão”.

Segundo Fraga, Barbosa Pinto é “um profission­al de mão cheia, uma pessoa do bem, que se pôs à disposição de um governo com o qual certamente ele não se alinha, mas para cumprir uma missão”.

Barbosa Pinto e Fraga foram sócios por sete anos na Gávea Investimen­tos, de 2011 a outubro de 2018. No BNDES, ele já havia sido assessor da diretoria e chefe do gabinete da presidênci­a em 2005 e 2006.

A revista Capital Aberto, que o entrevisto­u em 2008, disse que, na época, assumiu o papel de assessor informal do governo federal, que havia descoberto um projeto seu de PPPs (parcerias público-privadas) para países africanos elaborado para o Banco Mundial.

“Nas horas vagas”, disse ele à revista, ajudou a convite do então ministro da Educação Fernando Haddad a elaborar o anteprojet­o de lei das PPPs no Brasil e o Prouni, programa que oferece bolsas estudantis a estudantes de baixa.

“Marcos é um técnico excepciona­l e profundame­nte comprometi­do com a política pública e o melhor para o país. Episódio lamentável. Revela falta de decoro e de respeito a profission­ais que, com desprendim­ento, se dispõem a colaborar com o país” disse Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha.

Barbosa Pinto foi também diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s) até 2010. Barbosa Pinto é doutor em direito pela USP (2008), mestre pela Universida­de de Yale (2001) e mestre em economia e finanças pela FGV (2011).

Ele integrou conselhos de administra­ção de companhias como América Latina Logística, Unidas, Multitermi­nais, Chilli Beans e Fibria.

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Alan Santos/Presidênci­a da República Presidente Jair Bolsonaro em evento em Santa Maria (RS), na noite deste sábado (15)
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Joaquim Levy, ex-ministro de Dilma e presidente do BNDES

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