Vinicius Torres Freire
Era uma vez o governo de superministros
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ameaçou demitir o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Joaquim Levy, mesmo sem a anuência do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Bolsonaro disse que Levy “está com a cabeça a prêmio há algum tempo”. O clima teria piorado, segundo ele, depois de Levy indicar um executivo que trabalhou em gestão do PT. Procurado, Levy não foi localizado.
“Eu já estou por aqui com o [Joaquim] Levy. Falei para ele demitir esse cara [Marcos Barbosa Pinto] na segunda-feira [17] ou eu demito você, sem passar pelo Paulo Guedes”, disse Bolsonaro diante do Palácio da Alvorada, no início da tarde deste sábado (15).
Barbosa Pinto foi assessor do BNDES no governo Luiz Inácio Lula da Silva e voltaria ao banco para o cargo de diretor de Mercado de Capitais, a partir desta segunda.
Ele tomou posse na quarta-feira (12).
O advogado apresentou uma carta de renúncia a Levy. “Tenho muito orgulho da carreira que construí ao longo dos anos, seja no governo, seja na academia, seja no mercado financeiro”, afirmou.
Levado por Guedes para a presidência do BNDES, Levy foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff e secretário do Tesouro no governo Lula.
O presidente disse que “governo é assim, não pode ter gente suspeita” em cargos importantes. “Essa pessoa, o Levy, já vem há algum tempo não sendo aquilo que foi combinado e aquilo que ele conhece a meu respeito”, disse.
Questionado se Levy estaria demitido, Bolsonaro negou.
Nos bastidores, nomes para substituir o executivo já começaram a circular.
Entre os cotados estão o secretário de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, e superintendente da Susep, Solange Vieira, que é funcionária de carreira do BNDES.
Nenhuma sondagem foi formalmente realizado até a noite deste sábado (15).
Em entrevista a Gerson Camarotti, do G1, Guedes disse entender a angústia de Bolsonaro, sugerindo estar ele também insatisfeito com o trabalho de Levy no banco.
“O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro”, afirmou ao G1.
Guedes referia-se às investigações de possíveis responsáveis por empréstimos concedidos pelo banco a empreiteiras, durante os governos do PT, para obras no exterior. Em troca, elas pagariam propina.
Até o momento, nenhum funcionário do banco foi apontado como participante do esquema, mas Bolsonaro e Guedes insistem no discurso de abrir a “caixa-preta” do BNDES.
Outro motivo de descontentamento do ministro com Levy é a resistência do presidente do banco em devolver o dinheiro injetado no BNDES no passado.
Guedes já disse que espera receber R$ 126 bilhões neste ano, mas Levy não se comprometeu com a cifra. Os recursos são tratados como necessários para ajudar no ajuste fiscal do governo.
Diante das afirmações, é difícil que Levy permaneça no cargo. Ele deve se manifestar neste domingo (16).
Barbosa Pinto tentou falar com Levy ao longo deste dia, mas não obteve retorno.
“É com pesar que entrego esta carta, logo após ter tomado posse, mas não quero continuar no cargo diante do descontentamento manifestado pelo presidente da República”, escreveu o advogado na carta.
Ele foi sócio durante sete anos de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, na Gávea Investimentos.
Segundo Barbosa Pinto, em razão de sua experiência acreditava que poderia contribuir na implementação de reformas econômicas importantes para o país.
Ele destacou a relevância do banco para o país. Segundo ele, seu desejo era ajudar no seu fortalecimento. “Infelizmente, isso não será possível.”
Ele disse admirar o trabalho de Levy e agradeceu o corpo técnico do BNDES. Barbosa Pinto não quer se envolver em uma disputa política no governo.
Ex-presidente do Banco Central e colunista da Folha, o economista Arminio Fraga disse que Levy deveria deixar o governo. “Levy deveria pedir demissão antes de ele ser demitido na segunda-feira.”
“Essa polarização e essa radicalização me parecem um absurdo”, afirmou Fraga. “[Essa polarização] me parece ser o oposto do que o país precisa neste momento, o país precisa acertar sua vida.”
O episódio sobre Barbosa Pinto causa espanto pela motivação da “pré-demissão”.
Segundo Fraga, Barbosa Pinto é “um profissional de mão cheia, uma pessoa do bem, que se pôs à disposição de um governo com o qual certamente ele não se alinha, mas para cumprir uma missão”.
Barbosa Pinto e Fraga foram sócios por sete anos na Gávea Investimentos, de 2011 a outubro de 2018. No BNDES, ele já havia sido assessor da diretoria e chefe do gabinete da presidência em 2005 e 2006.
A revista Capital Aberto, que o entrevistou em 2008, disse que, na época, assumiu o papel de assessor informal do governo federal, que havia descoberto um projeto seu de PPPs (parcerias público-privadas) para países africanos elaborado para o Banco Mundial.
“Nas horas vagas”, disse ele à revista, ajudou a convite do então ministro da Educação Fernando Haddad a elaborar o anteprojeto de lei das PPPs no Brasil e o Prouni, programa que oferece bolsas estudantis a estudantes de baixa.
“Marcos é um técnico excepcional e profundamente comprometido com a política pública e o melhor para o país. Episódio lamentável. Revela falta de decoro e de respeito a profissionais que, com desprendimento, se dispõem a colaborar com o país” disse Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha.
Barbosa Pinto foi também diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) até 2010. Barbosa Pinto é doutor em direito pela USP (2008), mestre pela Universidade de Yale (2001) e mestre em economia e finanças pela FGV (2011).
Ele integrou conselhos de administração de companhias como América Latina Logística, Unidas, Multiterminais, Chilli Beans e Fibria.