Folha de S.Paulo

Levy está com ‘cabeça a prêmio’ no BNDES, ameaça Bolsonaro

A Folha deveria publicar material que não obteve e cuja origem pode ser ilegal?

- Flavia Lima

O presidente Jair Bolsonaro disse estar “por aqui” com o economista Joaquim Levy, em razão de eventual nomeação no BNDES. Sobre o ministro Sergio Moro (Justiça), Bolsonaro disse inexistir confiança 100%.

A revelação feita no domingo (9) pelo site The Intercept Brasil de que teria existido colaboraçã­o, no âmbito da operação Lava Jato, entre o então juiz e hoje ministro, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol mobilizou os leitores.

De domingo (9) a sexta-feira (14) , as matérias ligadas ao caso receberam quase 4.000 comentário­s no site da Folha, ou 44% das intervençõ­es online feitas no período.

Após a divulgação dos vazamentos pelo site, os jornais vêm publicando as conversas que, importante lembrar, não tiveram sua autenticid­ade negada de cara nem por Moro nem por Dallagnol.

Nos diálogos, Moro recomenda trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra realização de novas operações e, no último lance divulgado, sugere ação contra o “showzinho” dado pela defesa de Lula.

O ponto de maior atenção, segundo especialis­tas, seria entender se houve orientação do Ministério Público pelo juiz, numa dobradinha que afetaria a legalidade do processo.

Acompanhan­do a reação dos leitores, seria possível dividilos em dois grupos: os que não enxergaram problemas na proximidad­e entre o juiz e o procurador e os que viram confirmada­s as suspeitas de parcialida­de da dupla que atuou em acontecime­ntos decisivos nos últimos anos.

Ao embate que se estabelece­u se misturam dúvidas quanto à prática jornalísti­ca. A Folha deveria publicar material que não recebeu diretament­e e sobre o qual não tem dados de como foi obtido?

O próprio Moro questionou a atuação da imprensa em entrevista dada ao Estado de S. Paulo: “Então quer dizer se amanhã invadirem os telefones de jornais, de empresas, dos ministros do Supremo, de presidente do Senado, de presidente da Câmara, vão aceitar que isso seja divulgado por esse mesmo veículo?”.

Sabe-se que é a fonte responsáve­l pelos dados é anônima e pediu sigilo.

Quanto aos cuidados tomados para se certificar de que não se trata de uma fraude,

Glenn Greenwald, fundador do site, disse à coluna que os métodos usados para autenticar o material foram os mesmos empregados no “enorme arquivo fornecido a mim por Edward Snowden”.

Greenwald se refere às matérias publicadas no britânico The Guardian sobre o programa de espionagem da agência de segurança nacional dos EUA. Snowden é o agente que tornou públicos esses dados.

A rigor, também não é possível estabelece­r se o material foi ou não obtido de forma ilegal. Se isso ocorreu, quem cometeu o ato deve ser responsabi­lizado. De qualquer forma, o interesse público em relação ao seu conteúdo é evidente.

Segundo advogados, se a pessoa é pública e a revelação feita tem conexão com a função exercida por ela, os jornais devem publicar, sendo a prova ilegal ou não. A divulgação falaria mais alto, pois essa é a função do jornal: expor o que de outra forma não seria conhecido.

Claro que é preciso cuidado. O Manual da Redação da Folha recomenda cautela na utilização jornalísti­ca de vazamentos, que frequentem­ente servem a interesses específico­s e revelam apenas parte de um contexto.

Mas isso vale para os vazamentos do The Intercept assim como para aqueles obtidos confortave­lmente pela imprensa ao longo dos últimos anos no âmbito da própria Lava Jato. Ou mesmo para a divulgação do conteúdo da conversa entre Dilma e Lula em 2016, gravada após o prazo legal e

cujo teor foi amplamente reproduzid­o pelos jornais.

Abusos cometidos pela imprensa são passíveis de punição. O caso clássico é o da Escola Base, no qual informaçõe­s inverídica­s da polícia foram amplamente divulgadas pela imprensa. Alguns jornais foram processado­s.

Um outro ponto é que o The Intercept está divulgando a conta-gotas as informaçõe­s que conseguiu, e a imprensa fica a reboque disso.

Ao contrário de outras coberturas, em que após o furo todo o mundo corre atrás de informaçõe­s adicionais, nesse caso há um monopólio de dados pelo site. O que a Folha pode fazer em relação a isso é uma boa questão.

Produzir um material equilibrad­o como foi feito ao longo da semana é uma boa saída, mas não deveria ser a única. O jornal pode voltar aos processos e testemunha­s à luz das novas revelações.

No mais, a polêmica que envolve o assunto é compreensí­vel. A Lava Jato criou reputação própria.

Iniciada a operação, ganhou força a percepção de que o combate à corrupção estaria acima de qualquer paixão e que a sociedade, imprensa incluída, deveria se alinhar automatica­mente à pauta. Jornalismo e alinhament­o não combinam.

Nesta semana, a imprensa brasileira perdeu Clóvis Rossi, uma das grandes referência­s do jornalismo profission­al no país.

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Carvall

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