Cineasta italiano Franco Zeffirelli morre aos 96
Franco Zeffirelli, em 1981
Último de uma geração consagrada de cineastas que surgiram na Itália após a Segunda Guerra, Franco Zeffirelli morreu aos 96 anos em Roma.
Nenhuma religião teve tanta afinidade como cinema quanto o catolicismo. Pode-se até criar uma hierarquia dos cineastas que estiveram próximos de seus princípios. Houveteólogos (Roberto R os sel li ni ), cardeais( Alfred Hitchcock ), hereges (Pier Paolo Pasolini) e padres angustiados( Martin S cor se se ).
Bem, onde colocar Franco Zeffirelli, que acaba de morrer, em Roma, aos 96 anos? Digamos que Zeffirelli nunca foi mais que um coroinha. Aquele que, à força de ver os gestos de seus mestres, termina por assimilá-los, mas apenas a casca, nunca o significado.
Zeffirelli foi assistente do melhore do pior Visconti. O melhor: “Sedução da Carne” (1954). O pior: “Belíssima” (1951). Em Visconti, a direção de arteé central. Eleé um decorador, set irarmos fora a direção de arte de seus filmes, eles desmonta m—independentemente de suas outras e muitas virtudes.
Esseéo aspecto queZeffirel limais assimilou de seu mestre: a decoração. Ela lhe rendeugran depopular idade, na medida em que pode ser associada facilmente a uma atitude “artística”.
No entanto, diga-se, Zeffirelli começou por cima, dirigindo uma “Megera Domada” (1967) com ninguém menos que Elizabeth Taylor e Richard Burton. O vento soprava a favor do filme: Shakespeare, claro, nunca atrapalhou ninguém. Taylor e Burton eram grandes atores, porém, mais que isso, viviam seu primeiro e tempestuoso casamento (eles se separariam e recasariam pouco depois).
O que mais a propósito para lançar um jovem cineasta italiano, numa coprodução internacional do que uma comédia de marido e mulher às turras?
Mas esse era, afinal, um filme de Burton/Taylor. Seu primeiro sucesso pessoal, e o maior deles, veio no ano seguinte, coma adaptação de“Romeu e Julieta” (1968), um melodrama para cortar corações.
Ninguém dirá que foram injustos o Oscar de fotografia (Giuseppe de Santis) e figurino (Danilo Donati). Eram pontos fortes de um filme em que Zeffirelli aproveitava muito bem os usos, costumes, arte e figurinos de Florença (já que era um florentino). Como em toda adaptação de Shakespeare, a peça garante metade do sucesso. O sol da Toscana faz o restante.
Houve mais, admita-se: o filme teve o mérito de colocar em cena dois atores realmente jovens (e não coroas fazendo o papel de jovenzinhos). Estávamos em 1968, o mundo parecia que ia explodir, então o trágico descompasso entre o amor dos dois jovens e a rivalidade entre suas famílias não deixava de ser um tema oportuno.
Revisto hoje, mesmo suas virtudes (os figurinos) parecem hipertrofiadas a ponto de tornarem o filme intragável.
Nada, porém, que se aproxime de “Irmão Sol, Irmã Lua” (1972). O irmão sol é ninguém menos que são Francisco de Assis (a irmã lua, sua parceira, santa Clara). Francisco de Assis foi o grande reformador do catolicismo, aquele que tirou a Igreja do buraco de exclusões e heresias e buscou fazer com que todos os seres fossem vistos como, afinal, criaturas de Deus.
Na visão de Zeffirelli, porém, ele é essencialmente um jovem disposto a renunciar às riquezas do mundo e se dedicar à pobreza. Ainda assim dá para o cineasta mostrar as pompas da Igreja Católica. E se deter sobre a beleza suave e cercada de cachoeiras da bela Clara, no que parece que vai se transformar num comercial de desodorante.
Não foi tão diferente o que veio depois. A “marca” Zeffirelli já estava registrada e seria difícil escapar a ela.
Quanto a “Amor sem Fim” (1981) o melhor será silenciar. Nesse retorno ao tema do amor proibido, Zeffirelli produziu um melaço perto do qual “A Lagoa Azul” (com a mesma Brooke Shields) parece uma obra-prima.
Tudo perdido? Não ainda. Pois já na maturidade, naquela que foi, na prática, sua despedida do cinema, o diretor parece ter se despido dos frufrus que tanto cultivou em “Chá com Mussolini” (1999) e compôs uma imagem mais singela, sólida e de certo modo insólita da vida em Florença durante a era de Mussolini.
A vida sob o fascismo vista ali a partir dos olhos de uma aristocrática inglesa que, quase todo o tempo não sabe muito bem o que está acontecendo, não deixa de evocar Fellini em alguns momentos, não evita o humor e, justamente a partir dessa, digamos, alienação do grupo de personagens, termina por criar um retrato grave do fascismo.
Pode não ser uma obra-prima, mas Zeffirelli ali esqueceu o esteticismo que o consagrou e se dedicou mais modestamente à exatidão. Um final de carreira que ninguém dirá indigno.