Folha de S.Paulo

Conflito inglório

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Acerca de críticas do governo a fundo ambiental.

Permanece difícil atinar com a razão para o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investir contra o Fundo Amazônia. Esse mecanismo de financiame­nto para combater a devastação de florestas funcionava bem, sem contencios­os —até a estreia do novo governo.

Salles fez estardalha­ço com uma suposta auditoria em que teriam sido detectadas irregulari­dades em um quarto dos projetos apoiados pelo fundo. Nunca apresentou detalhes ou provas, mas usou-a para justificar proposta de mudança na gestão do portfólio pelo BNDES, o banco federal de fomento.

O ministro pretendia reduzir o comitê orientador do fundo de 23 para 7 assentos, 5 dos quais ficariam com o governo federal. Foi rechaçado pelos governos da Noruega e da Alemanha, que descartam desvios e se dizem satisfeito­s com a estrutura de governança, adequada a padrões internacio­nais.

Salles afirma que continua a negociar com os doadores. Seu objetivo seria dar liberdade ao ministério para usar parte dos mais de R$ 3 bilhões já amealhados no pagamento de indenizaçõ­es para desalojar ocupantes de unidades de conservaçã­o. Pelas regras do fundo, isso não seria possível.

O ministro faz vista grossa para o fato de que, na Amazônia, fazendeiro­s presentes em áreas de florestas e parques nacionais e de terras indígenas são, em geral, grileiros. Apossaram-se de terras públicas e, por isso, carecem de títulos autênticos de propriedad­e.

Além do mais, mesmo para as desapropri­ações justificáv­eis não faltariam verbas. Salles cria um latifúndio de contradiçã­o por encrencar com o Fundo Amazônia ao mesmo tempo em que mantém paralisado mais de R$ 1 bilhão de compensaçõ­es para licenciame­nto de grandes obras, que poderia ser usado para tal fim.

O ministro dissolveu comitê para gerir o recurso ao assumir a pasta. Agora, diz que a câmara de compensaçã­o ambiental foi reativada e que os valores serão usados em parte para regulariza­ção fundiária das unidades de conservaçã­o.

A duplicidad­e faz parecer que a motivação de Salles tem origem dogmática. Predomina entre nacionalis­tas e militares, afinal, a doutrina de que países estrangeir­os almejam internacio­nalizar a floresta, ameaçando nossa soberania.

Se fosse esse o propósito de Noruega e Alemanha, o Fundo Amazônia seria bem ineficaz. As doações se dão na proporção do recuo de taxas de desmatamen­to obtido por iniciativa do Estado brasileiro, que tem autonomia de aplicar os recursos nos projetos que seleciona —não outros governos.

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