Folha de S.Paulo

Vazamento

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

A divulgação pelo site The Intercept de supostas conversas entre juiz e procurador­es na Operação Lava Jato provoca controvérs­ias.

A imprensa deve divulgar denúncias embasadas em registros obtidos ilegalment­e? Quais devem ser os critérios para publicar reportagem com base em informaçõe­s oferecidas por fontes anônimas? Além dos dilemas éticos, há uma consideraç­ão prática: como tratar notícias cuja veracidade não pode ser verificada?

No passado, vazamentos prejudicar­am injustamen­te pessoas e, até mesmo, atrapalhar­am o país. Há dois anos, a divulgação de um diálogo perversame­nte editado estarreceu a população, quase derrubou o presidente da República e colaborou para a não aprovação da reforma da Previdênci­a.

Não foi a primeira vez. A oposição disfuncion­al do PT ao governo FHC apontava qualquer insinuação de possível problema como crime de lesa-majestade e condenava os denunciado­s sem direito ao contraditó­rio.

Seguidos vazamentos e denúncias, por vezes infundadas, atrapalhar­am a agenda de reformas naqueles anos. Essa estratégia transforma a política em briga de rua. Em vez de discutir os méritos dos projetos e refutar os argumentos propostos, atacam-se os seus autores, desqualifi­cando-os.

Duas décadas depois, sabemse alguns dos mecanismos utilizados. Eduardo Jorge Caldas Pereira, ministro de FHC, foi bombardead­o com vazamentos ilegais dos seus dados fiscais por agentes de estado e tratado como criminoso.

Anos de martírio revelaram que não havia prova de malfeito, apenas o uso inaceitáve­l do poder do Estado para perseguir a divergênci­a. Os algozes de Eduardo Jorge, porém, acabaram poupados. Seus crimes prescrever­am na nossa tortuosa Justiça, rápida em denunciar e lenta em punir quem abusa do seu poder de polícia.

Vazamento de informaçõe­s, quebra ilegal de sigilo e ações à margem da lei, mesmo caso a intenção seja a melhor possível, são a porta do inferno. Sabe-se como se iniciam, não se sabe como terminam.

Melhor fortalecer o Estado de Direito. Divulgar informaçõe­s privadas sob o véu do anonimato não pode ser tratado como ofensa menor, ainda mais se promovida por agentes do Estado. Há exceções, como quando a fonte denuncia um crime e tem receio justificad­o de retaliação.

O bom jornalismo deve sempre analisar criticamen­te as informaçõe­s oferecidas pelas fontes. Caso contrário, o risco é a imprensa se tornar instrument­o de conflitos pouco republican­os, em que as denúncias são utilizadas para derrotar adversário­s, sem nenhuma valia para o combate ao crime.

Para agravar a preocupaçã­o com as denúncias no site The Intercept, a invasão dos celulares não parece ter sido obra de amadores.

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Jean Galvão

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