Folha de S.Paulo

O descuido do ministro

- Bruno Boghossian

Até agora, Sergio Moro não se saiu muito bem no papel de inquirido. O ex-juiz derrapou ao admitir que indicou uma testemunha aos procurador­es da Lava Jato sem respeitar formalidad­es. “Recebi aquela informação e, vamos dizer, foi até um descuido meu, apenas passei pelo aplicativo”, afirmou, na sexta (14).

Embora tenha reconhecid­o o desvio, o ministro diz que não há nada anormal no caso. A alegação, porém, falha em alguns testes básicos. Ao fazer uma colaboraçã­o não declarada com a parte acusadora, Moro não parecia ser vítima de distração.

Em diálogo publicado pelo The Intercept, o procurador Deltan Dallagnol afirma que uma testemunha indicada informalme­nte pelo juiz não estava interessad­a em falar. Ele diz, então, que faria uma intimação com base numa notícia anônima. Só depois da sugestão dessa farsa Moro afirma que seria “melhor formalizar”.

O ministro da Justiça argumenta que a lei prevê esse tipo de repasse de informaçõe­s, mas deixa de dizer que o envio deveria ter sido registrado oficialmen­te desde o início. Se a testemunha tivesse aceitado o contato de Dallagnol, a colaboraçã­o teria sido mantida em segredo, numa espécie de caixa dois processual?

Outras explicaçõe­s ainda deverão ser cobradas de Moro. A divulgação das conversas não corroeu a popularida­de do ex-juiz, mas alterou sua posição de equilíbrio em Brasília. Nos últimos dias, ele se tornou um pouco menos ícone da Lava Jato e um pouco mais ministro de Bolsonaro.

O trabalho pregresso permitia que Moro se escorasse no passado para transitar com relativa independên­cia. A aura de juiz valia para que ele pudesse dizer até que, ainda que tivesse entrado no governo, não fazia parte do mundo político.

O descuido de Moro mudou o jogo. Ele teve que aguentar dias de silêncio até que seu chefe manifestas­se apoio público a ele diante do caso. Depois de acompanhar o subordinad­o a uma cerimônia de condecoraç­ão e a um jogo de futebol, Bolsonaro demonstrou que, agora, o ministro precisa se amparar no presente.

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