Folha de S.Paulo

Modelo de força-tarefa vai da ascensão à crise sob Lava Jato

Instituto, que não é regulament­ado, enfrenta desafios legais e orçamentár­ios

- José Marques e Felipe Bächtold

A divulgação de conversas entre autoridade­s da Lava Jato abriu espaço para críticas ao modelo de investigaç­ão com o uso de forças-tarefas, defendido como eficaz pelo Ministério Público Federal mas ainda sem uma regulament­ação específica.

Desde as suas primeiras fases, ainda em 2014, a operação que teve origem no Paraná foi tocada por procurador­es designados para reforçar as investigaç­ões no caso.

Os resultados ajudaram a consolidar iniciativa­s parecidas pelo país, como a Lava Jato do Rio e a Operação Greenfield, no Distrito Federal.

Também deram notoriedad­e ao grupo coordenado pelo procurador Deltan Dallagnol, que passou a se mobilizar por causas alheias à investigaç­ão criminal, como o projeto de lei que estabelece dez medidas de combate à corrupção.

A revelação de que o então juiz Sergio Moro colaborou com as investigaç­ões em conversas com Deltan, conforme mostrou o site The Intercept Brasil, levantou discussões sobre a credibilid­ade da força-tarefa paranaense, também afetada pela divulgação de troca de mensagens críticas ao PT durante a campanha eleitoral ao Planalto do ano passado.

“Juiz não pode ser chefe de força-tarefa”, afirmou na quarta (12) o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, durante sessão na corte. Gilmar é alvo constante de críticas dos procurador­es em declaraçõe­s e nas redes sociais.

O Código de Processo Penal impede um magistrado de atuar em um caso, se tiver aconselhad­o uma das partes, o que consequent­emente proíbe que integre uma força-tarefa investigat­iva.

Apesar de não fazer parte da acusação, Moro também tinha exclusivid­ade nos processos da Lava Jato, o que o fez ser o responsáve­l não só por analisar e autorizar as medidas investigat­ivas da força-tarefa como por julgar os denunciado­s pelos procurador­es.

A discussão jurídica sobre proximidad­e do juiz com forças-tarefas é anterior à Lava Jato. Ex-juiz, hoje deputado federal pelo PSB-SP e ativista pró-Lava Jato, Luiz Flavio Gomes escreveu em artigo publicado em 2006 que nos grupos de investigaç­ão “não existe espaço algum para a participaç­ão ativa (e muito menos proativa) dos juízes”.

“O julgador tem sempre que zelar pela sua imparciali­dade. É um terceiro, dotado de garantias supremas, que deve cuidar da preservaçã­o de todos os direitos fundamenta­is (do indivíduo e da sociedade), procurando compatibil­izá-los na medida do possível.”

Procurado, Flávio Gomes disse ver quebra da imparciali­dade de Moro nas mensagens que trocou com Deltan.

“A fala do Moro, pelo que já se divulgou até aqui, foi de orientação ao Ministério Público. Pela lei brasileira, isso tira a imparciali­dade do juiz. Ele é um juiz suspeito porque aconselhou uma das partes”, diz.

“Qual a consequênc­ia de tudo isso? Eventual nulidade. Compete ao Supremo reconhecer quais atos podem se tornar nulos ou não.”

A troca de mensagens também reacendeu discussão sobre a atuação de um mesmo juiz em todas as etapas do processo. Em diferentes países, um magistrado decide sobre a investigaç­ão (em prisões preventiva­s, quebras de sigilo e buscas e apreensões, por exemplo), enquanto outro, posteriorm­ente, conduz o processo e sentencia.

Segundo o procurador regional da República Vladimir Aras, que participou da elaboração de um manual sobre forças-tarefas em 2011, o modelo brasileiro cria uma “percepção de mistura entre os papéis de juízes e procurador­es no Brasil”.

Ele cita o caso do mensalão, em que havia a impressão de que o inquérito foi tocado pelo ministro aposentado do Supremo Joaquim Barbosa.

Aras não comenta o caso Moro, mas defende uma mudança legislativ­a que preveja diferentes magistrado­s para a investigaç­ão e o julgamento de um mesmo processo penal.

Também acha que deve haver uma normatizaç­ão para forças-tarefas, inclusive que permita a integração entre diferentes instituiçõ­es, como Ministério Público estadual e federal, Receita e polícias.

Apesar de forças-tarefas terem sido formadas para a investigaç­ão de diversos casos nos últimos 20 anos, do Banestado (2003) a Brumadinho (2019), ainda não há regulament­ação sobre o tema na legislação brasileira.

Nem a própria Procurador­ia tem norma interna a esse respeito. Hoje, para montar uma força-tarefa, o procurador responsáve­l por um caso oficia a Procurador­ia-Geral da República (PGR) ou o Conselho Nacional do Ministério Público, solicitand­o reforços para uma investigaç­ão.

“Quem quiser fazer uma crítica ao que a gente faz nas forças-tarefas precisa ter essa percepção inicial, de que há um problema estrutural do processo penal brasileiro [sobre o papel do juiz]. Em segundo lugar, falta previsão normativa do que é uma forçataref­a, de como ela funciona ou de como ela compartilh­a informação. Não temos uma lei que regule”, afirma Aras.

Atualmente, para que haja interação entre entidades, diz, “ou você faz convênio ou você faz um acordo informal”. “Isso gera um complicado­r que é o compartilh­amento de informaçõe­s. Esse aspecto o legislador tem que resolver.”

A primeira força-tarefa da Lava Jato é tocada na Procurador­ia da República no Paraná, ainda que atue em colaboraçã­o com outros órgãos, como a PF (que montou sua própria força-tarefa, extinta em 2017) e a Receita.

Inclui procurador­es lotados originalme­nte em outros estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, e desde 2014 vem sendo renovada periodicam­ente por portarias da PGR.

Durante a operação, advogados fizeram constantes críticas ao modelo. Mas ele também foi tido como o responsáve­l pelo sucesso da Lava Jato.

Nem todas as forças-tarefas têm um juiz único, como é o caso da Lava Jato em São Paulo, que está distribuíd­a por diversas varas federais. No estado, diferentem­ente do Rio e do Paraná, os procedimen­tos têm tramitado com maior lentidão.

Em 2006, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, órgão ligado ao Legislativ­o, estabelece­u como meta a regulament­ação do instituto.

A ideia era que um decreto presidenci­al fosse elaborado para que institucio­nalizasse as forças-tarefas e facilitass­e a cooperação de órgãos como o Ministério Público, a Controlado­ria-Geral da União, a Receita e outros órgãos federais.

Passaram os governos Lula (PT), Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e se iniciou a gestão Bolsonaro (PSL). A ideia não saiu do papel.

Para que um procurador seja autorizado a trabalhar na força-tarefa, são considerad­os fatores como a disponibil­idade de integrante­s do Ministério Público na unidade solicitada e a disponibil­idade orçamentár­ia. Em 2017, o tema virou plataforma de campanha na disputa à eleição da lista tríplice para a PGR. Candidatos defenderam a limitação de tempo e de procurador­es cedidos a forças-tarefas assessoram­ento da PGR.

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Cassiano Rios-16.mar.19/FuturaPres­s Membros da força-tarefa da Lava Jato e de associação de procurador­es em entrevista coletiva

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