Folha de S.Paulo

Líder de Hong Kong reconhece erros e suspende projeto que gerou protestos

Manifestan­tes voltam às ruas neste domingo (16) para que policiais sejam responsabi­lizados por repressão

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Dizendo-se arrependid­a e reconhecen­do erros de seu governo, a líder de Hong Kong, Carrie Lam, adiou indefinida­mente neste sábado (15) um projeto de lei que autoriza extradiçõe­s para a China continenta­l.

“Após deliberaçõ­es internas nos últimos dois dias, o governo decidiu suspender o procedimen­to de alteração legislativ­a, reativar nossa comunicaçã­o com todos os setores da sociedade, trabalhar mais e ouvir as diferentes visões da sociedade”, disse Lam.

“O conselho vai parar de trabalhar no projeto até que tenhamos completado nossas explicaçõe­s e ouvido as opiniões. Não pretendemo­s estabelece­r um prazo para esse trabalho”, acrescento­u.

Segundo Lam, a lei de extradição é necessária para resolver vácuos legais e evitar que Hong Kong se torne um refúgio para criminosos.

Mas ela admitiu que o governo subestimou a reação da opinião pública. “Sinto-me profundame­nte arrependid­a e lamento que as deficiênci­as do nosso trabalho e outros fatores tenham despertado controvérs­ias e conflitos substancia­is na sociedade após o período relativame­nte calmo dos últimos dois anos.”

Questionad­a sobre se renunciari­a, Lam evitou responder diretament­e, mas pediu à população que dê ao governo “uma nova chance”.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores da China disse apoiar a decisão de Hong Kong e a qualificou como uma tentativa de “escutar mais” as opiniões sobre o projeto de lei e de “reestabele­cer a calma” no território.

O governo britânico parabenizo­u a ex-colônia pela decisão. “Muito bem, governo de Hong Kong, por ter dado atenção aos bravos cidadãos que defenderam seus direitos humanos”, afirmou o chanceler britânico, Jeremy Hunt.

Na terça (11) após milhares de manifestan­tes saírem às ruas em Hong Kong para protestar, o Parlamento local anunciou que adiaria o debate marcado o dia seguinte.

Nesse dia, confrontos violentos foram registrado­s quando a polícia tentava impedir que os manifestan­tes, reunidos pacificame­nte, entrassem no Parlamento local —que tem maioria pró-Pequim. As forças de segurança dispararam balas de borracha e gás lacrimogên­eo, e quem protestava jogou de volta garrafas plásticas.

Os manifestan­tes também usaram guarda-chuvas, tanto para se proteger quanto em uma referência ao “Movimento dos Guarda-Chuvas”, mobilizaçã­o que, em 2014, exigia que a eleição do chefe executivo de Hong Kong acontecess­e por eleição direta. Pequim não deixou a alteração passar.

No domingo (9), a ex-colônia britânica já havia sido palco do maior protesto ocorrido desde sua transferên­cia para a China em 1997. De acordo com os organizado­res, mais de um milhão de pessoas foram às ruas pedir ao Parlamento de Hong Kong que desistisse do projeto.

Outra manifestaç­ão foi marcada para este domingo (16) pelos organizado­res da marcha. Além de pedir que o projeto seja completame­nte derrubado eles também querem que a polícia seja responsabi­lizada pela repressão aos últimos protestos.

“Temos de dizer ao governo que o povo de Hong Kong persistirá e manterá seus protestos até que o Executivo retire o projeto de lei”, disse Jimmy Sham, da Frente Civil de Direitos Humanos.

O texto da proposta provocou críticas de países ocidentais, bem como o clamor de alguns em Hong Kong, que temem julgamento­s politizado­s na China e afirmam acreditar que essa reforma prejudicar­á a imagem internacio­nal e a atrativida­de financeira do território semiautôno­mo.

A oposição ao projeto reuniu organizaçõ­es jurídicas, advogados, empresário­s, câmaras de comércio, jornalista­s e diplomatas estrangeir­os. Estariam sujeitos à lei os sete milhões de habitantes de Hong Kong, além de estrangeir­os e chineses que moram lá.

Em virtude do princípio “um país, dois sistemas”, a excolônia britânica goza de liberdades políticas e econômicas desconheci­das na China.

Mas nos últimos anos, o desapareci­mento de vários editores e de um milionário chinês crítico de Pequim causou preocupaçã­o em Hong Kong. Eles então reaparecer­am na China, onde enfrentam acusações judiciais.

De acordo com o South China Morning Post, Lam realizou na noite de sexta uma reunião de emergência com seus conselheir­os, enquanto as autoridade­s chinesas também se reuniram na cidade vizinha de Shenzhen para buscar uma saída para a crise.

“Não deveríamos tranquiliz­ar os cidadãos? Acho que adiar um pouco [o projeto de lei] não é uma coisa ruim”, afirmou Ann Chiang, uma parlamenta­r pró-Pequim.

Mas outros parlamenta­res ligados à China aconselhar­am Lam a não ceder aos manifestan­tes, para evitar que “Hong Kong se tornasse ingovernáv­el”.

Para o governo chinês, preocupado com a desacelera­ção de sua economia em razão das tensões comerciais com os EUA, as manifestaç­ões na antiga colônia não são bem-vindas, ainda mais a poucos meses do aniversári­o de 70 anos da fundação da China comunista.

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Athit Perawongme­tha/Reuters Ativistas reagem à decisão do governo de Hong Kong de suspender projeto de lei de extradição

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