Folha de S.Paulo

Vinte anos após 1º leilão, Petrobras opera 95% da exploração de petróleo

Novo ciclo de investimen­tos está previsto e pode elevar setor a ser um dos motores da economia

- -Nicola Pamplona

Passados 20 anos do primeiro leilão de concessões de áreas de petróleo após o fim do monopólio, o Brasil ainda segue com forte predomínio da Petrobras nas operações do setor.

Especialis­tas, porém, veem o início de um novo ciclo de investimen­tos com mais participaç­ão privada.

Apesar da forte atração de empresas estrangeir­as nos 19 leilões realizados até hoje, os campos operados pela estatal foram responsáve­is em abril por 95% da produção nacional, que foi de 3,3 milhões de barris de petróleo e gás.

Para especialis­tas, o lento ritmo de expansão privada nesse segmento reflete políticas nacionalis­tas adotadas nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que deram à Petrobras exclusivid­ade na operação do pré-sal e suspendera­m a realização de leilões por cinco anos, limitando o acesso a reservas.

A expectativ­a é que o resultado dos últimos leilões atraia cerca de R$ 500 bilhões em investimen­tos, reduzindo gradativam­ente essa participaç­ão. Consideran­do a fatia em campos operados pela Petrobras, estrangeir­as têm hoje direito a 25% da produção nacional.

A primeira rodada de licitações da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombust­íveis) foi realizada sob protestos em um hotel de luxo na zona sul do Rio nos dias 15 e 16 de junho de 1999.

A agência concedeu 12 das 36 áreas leiloadas, e 13 empresas estrangeir­as participar­am da concorrênc­ia.

Com arrecadaçã­o de R$ 487 milhões (o equivalent­e hoje a R$ 1,6 bilhão), o resultado foi considerad­o um sucesso na época e celebrado como o primeiro passo para a diversific­ação de empresas em busca de petróleo na costa brasileira.

Antes, companhias estrangeir­as só tinham chance de explorar no país associadas à Petrobras, primeiro em infrutífer­as parcerias assinadas nos anos 1970, e, depois, em blocos cedidos pelo governo à estatal ao fim do monopólio.

Das áreas concedidas no primeiro leilão, a Petrobras era operadora em apenas três. As outras nove foram vencidas por empresas estrangeir­as, sozinhas ou liderando consórcios. A maior vencedora foi a italiana Eni, que levou quatro lotes na época.

Além da Eni, participar­am do leilão a gigante americana Esso, a britânica BP, a anglo-holandesa Shell, a argentina YPF e uma série de companhias que depois acabaram sendo adquiridas por outras maiores, como a Texaco, a BG e a Mobil, entre outras.

“Foi, até então, a maior avalanche de investimen­tos no setor em curto espaço de tempo. Em 1998 e no início de 1999, mais de 70 empresas se instalaram no Rio”, recorda o então diretor-geral da ANP, David Zylberszta­jn, para quem o resultado veio “dentro do cenário otimista”.

“A gente viajou muito pelo mundo. Isso era necessário porque ainda havia algum ceticismo com relação a uma coisa tão simbólica quanto quebrar o monopólio da Petrobras. A expectativ­a sobre o Brasil era enorme.”

O leilão, porém, não trouxe frutos em termos de produção: todas as áreas arrematada­s foram devolvidas por falta de descoberta­s comerciais —o pré-sal acabou sendo encontrado em blocos licitados na segunda rodada de licitações da ANP, em 2000.

“Aquelas áreas foram todas arrematada­s de olho no póssal, o pré-sal só foi descoberto em 2006. Em 1999, estava todo o mundo procurando coisas iguais a Roncador [a maior descoberta brasileira até então]”, diz o consultor Pedro Zalan, que era geólogo da Petrobras na época.

O período entre o primeiro leilão e a descoberta do présal é visto como um primeiro ciclo de investimen­tos após a abertura do setor. Atraiu empresas estrangeir­as, mas ainda sob a sombra da Petrobras, que dominava o conhecimen­to sob o subsolo brasileiro.

O segundo ciclo, após o présal, foi marcado por um recuo no esforço para atrair capital privado. Com Lula e, depois, com Dilma, a Petrobras ganhou musculatur­a e privilégio­s na disputa das áreas mais promissora­s.

Após a confirmaçã­o da descoberta do megacampo de Lula, hoje chamado de Búzios, o governo decidiu rever as regras do setor e interrompe­u por cinco anos a realização de leilões, o que levou a um processo de desmobiliz­ação de empresas estrangeir­as no país.

Dados da ANP mostram que a paralisaçã­o afetou fortemente a atividade do setor.

Em 2011, quando atingiu o pico, foram perfurados 238 poços exploratór­ios no país. Em 2018, depois de duas fortes quedas da cotação internacio­nal e da crise da Petrobras, foram apenas 28.

O número de sondas e perfuração em atividade no Brasil, que chegou a 90 no início da década, gira neste início de 2019 em torno de 10, segundo dados compilados pela americana Baker Hughes.

“Houve uma quebra de confiança, de credibilid­ade, que atrasou o país”, afirma Zylberszta­jn. “A gente parou. Hoje teríamos mais do que o dobro da produção, com maior dinâmica de atividade e de empregos.”

O setor vê atualmente o início de um novo ciclo de investimen­tos, agora com maior relevância de empresas privadas, a partir das concessões realizadas no fim do governo Dilma e no governo Michel Temer.

Consórcios liderados por empresas estrangeir­as levaram 6 das 13 áreas do pré-sal licitadas sob Temer, tendo sido responsáve­is por 99% dos R$ 6,8 bilhões arrecadado­s. O forte apetite vem de mudanças regulatóri­as que aliviaram obrigações de compras no país e permitiram a operação privada no pré-sal.

Como resultado dos leilões recentes, a ANP espera investimen­tos que, apenas nas áreas leiloadas sob Temer, demandem cerca de 20 plataforma­s de produção.

Consideran­do leilões anteriores, o potencial de investimen­tos chega a R$ 1,8 trilhão, com cerca de 60 plataforma­s.

A norueguesa Equinor, por exemplo, prevê cinco poços no pré-sal brasileiro pelos próximos três anos e espera chegar a 2030 produzindo entre 300 mil e 500 mil barris por dia no país. A Exxon também fala em cinco poços entre este ano e o próximo.

“Esse futuro já está contratado”, diz o secretário-executivo do IBP (instituto que reúne as petroleira­s), Antônio Guimarães.

“Se voltar a investir US$ 40 bilhões [R$ 160 bilhões] por ano, que é a perspectiv­a para 2022 ou 2023, esse setor vai ser um motor da economia brasileira.”

O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, diz que o desafio agora é fomentar a criação e a atração de empresas independen­tes para produzir em campos de pequeno e médio porte, que era também uma das metas de Zylberszta­jn há 20 anos.

O plano parou na resistênci­a da Petrobras em abrir espaço.

A ANP determinou que a estatal venda até o fim do ano áreas em que não tem mais interesse em investir —a estatal tem hoje 23 processos abertos de venda de ativos de campos terrestres ou em águas rasas— e decidiu manter em oferta permanente todas as áreas terrestres que têm em mãos.

Com os campos vendidos pela Petrobras, diz Oddone, pequenas empresas poderão fazer caixa para adquirir novos projetos exploratór­ios em terra e águas rasas que hoje não são interessan­tes para companhias de grande porte.

“A importânci­a da diversidad­e de empresas é o impacto regionaliz­ado da atividade, com geração de empregos e negócios locais”, diz.

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Jorge William - 15.jun.1999/Agência O Globo O italiano Rocco Valentinet­ti deposita sua proposta na urna do primeiro leilão de áreas de exploração; ele ofereceu um lance com ágio de 53.500%

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