Folha de S.Paulo

Bolsonaro rebaixa os superminis­tros

Fraqueza no Congresso e desordem da Presidênci­a tiram status de Guedes e Moro

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Era uma vez um governo que teria dois superminis­tros, Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Entraram por uma porta, saíram por outra.

São príncipes transforma­dos em plebeus da Esplanada dos Ministério­s pelo caldeirão da política de Jair Bolsonaro, que tem intestinos envenenado­s, filé de serpente, pelo de morcego, língua de cão e múmias de feiticeira­s, como o cozido das bruxas de Macbeth, mas não tem coalizão parlamenta­r. Fim.

Os superminis­tros foram rebaixados porque o quase governo do Congresso independen­te poda suas capas heroicas. Porque Bolsonaro não tem um programa que respalde na prática os projetos de Guedes e Moro. Porque o presidente implicou com Moro, que não incorporou o bolsonaris­mo “raiz”, como no caso menor do decreto faroeste.

Pior, o ministro da Justiça se tornou suspeito de querer a cadeira presidenci­al em 2022, assunto cada vez mais frequente de Bolsonaro, diz seu entorno.

Moro se torna um retrato na parede, mofado pela umidade da República de Curitiba, um troféu inerte do bolsonaris­mo.

Até agora incapaz de articulaçã­o social e com os estados, não tem assim como inventar um plano funcional e politicame­nte aceitável de segurança pública.

Qual será o projeto de Moro? Bater ponto até ser promovido ao STF pelo mérito de engolir sapos e de sobreviver a suspeitas da VazaJato?

Guedes pode ainda fazer um grande ministério, segundo a medida dos objetivos do programa liberal, mas não pela régua das ambições de sua estratégia grandiosa de refundação do país. Vide o sururu recente que causou na reforma da Previdênci­a.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ofereceu ao ministro da Economia a aliança recusada de modo desatinado por Bolsonaro. Guedes balançou o coreto porque a Câmara deve dar cabo da proposta de capitaliza­ção, um pilar do seu plano de reconstruç­ão nacional em termos liberais, com desmanche da lei trabalhist­a e a criação de um novo padrão de poupança.

O ministro ainda pode conseguir uma expressiva reforma da Previdênci­a, mas parece achar pouco. Portanto, criou uma crise grátis, como dizia no final da semana qualquer liderança política, do PT ao DEM.

Guedes não vai refundar a economia, se por mais não fosse porque Bolsonaro não sabe nem quer saber do que se trata. Mas há mais: revoluções dependem de sangue ou ditaduras, para dizer a coisa de modo dramático, mas em última instância adequado.

O ministro pode fazer história, como tanto deseja, caso consiga relançar algum cresciment­o com peso maior da iniciativa privada. Para tanto, poderia contribuir para a reviravolt­a da regulação obtusa, errada e caquética que emperra o investimen­to privado em infraestru­tura e novos negócios em geral.

Tende a dar certo, embora não tenha o apelo dramático, na verdade cafona, de enormidade­s ideológica­s como o “conflito da social-democracia com a grande sociedade aberta” e essas conversas que pareciam novas em 1969.

Se o plano de reformas regulatóri­as e o planejamen­to de concessões não saírem neste ano, haverá obras apenas em 2021. Cadê? Um plano respeitáve­l de reforma tributária tramita no Congresso, por iniciativa parlamenta­r. Os economista­s de Bolsonaro vão ajudar ou vão querer reinventar a roda? Cadê a política comercial, que leva muito tempo para implementa­r?

É tarde. O Brasil está em crise faz seis anos, e o governo só tem mais três pela frente (os seis meses finais são de eleição).

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