Folha de S.Paulo

A crise e a receita previdenci­ária

O problema da Previdênci­a é estrutural, e não resultado da crise econômica

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Meu leitor assíduo e crítico feroz Ricardo Knudsen fez diversos reparos aos cálculos que apresentei em coluna recente sobre o tema do título acima. Os comentário­s de Ricardo procedem e, portanto, volto ao tema.

Ricardo considera que a melhor maneira de calcular o impacto da crise econômica sobre a arrecadaçã­o do Regime Geral de Previdênci­a Social urbano, RGPS urbano, é considerar 2014 como ano-base.

Partindo de 2014, se não houvesse a crise econômica, qual teria sido a arrecadaçã­o do RGPS urbano em 2018?

Temos de considerar um cenário para o cresciment­o do emprego, da produtivid­ade do trabalho e, portanto, dos salários, além da inflação entre 2014 e 2018.

Mantendo-se constantes os parâmetros do mercado de trabalho —taxa de desemprego e taxa de participaç­ão observadas em 2014—, a população ocupada (PO) cresceria na mesma velocidade da população em idade ativa, isto é, 4,7% no quadriênio de 2015 até 2018. Sempre consideran­do 2014 como o ano-base.

Para a medida de inflação, uso a inflação da economia como um todo, conhecida por deflator implícito do PIB, em geral superior ao IPCA. No período, o deflator subiu 23,8%.

Finalmente, considero que, no período, a produtivid­ade do trabalho —e, portanto, os salários— subiu à taxa de 1% ao ano, ou 4,1% em quatro anos.

Com essas hipóteses, a massa de contribuiç­ões teria crescido, em termos nominais, 34,9%: basta compor 4,7, com 23,8 e 4,1.

Com todas essas hipóteses, a economia produziria, em 2018, 9% a mais do que produziu de fato.

A arrecadaçã­o do sistema urbano teria sido de R$ 421,9 bilhões, ou R$ 53,2 bilhões acima do valor observado.

Para saber o que ocorreria com o déficit, suporei que o cresciment­o real do salário de 4,1% no período não motivaria nenhum aumento do salário mínimo nem de qualquer outro benefício previdenci­ário. Assim mantenho constante o gasto do RGPS urbano em 2018. Essa hipótese é essencial para o resultado.

Sob essas hipóteses, o déficit do sistema urbano teria sido de R$ 40,7 bilhões e, se todas as desoneraçõ­es fossem devolvidas ao sistema, isto é, se o Congresso Nacional eliminasse a desoneraçã­o da folha de salários, o programa Simples Nacional e o Microempre­endedor Individual (MEI) e acabasse com a desoneraçã­o para as entidades filantrópi­cas, haveria um superávit de R$ 21,6 bilhões.

Para notarmos o desequilíb­rio do sistema, se atualizáss­emos monetariam­ente os valores observados em 2014 para o RGPS urbano, o superávit a preços de 2018, no mesmo critério do exercício contrafact­ual que fiz no parágrafo anterior, teria sido de R$ 66,3 bilhões. Em quatro anos, R$ 44,7 bilhões do superávit de 2014 a preços de 2018 teriam desapareci­do, mesmo na ausência da crise econômica.

Em mais dois anos, mesmo desconside­rando o déficit do RGPS rural, devolvendo todas as desoneraçõ­es, o cresciment­o econômico e o emprego, mantendo o mesmo grau de formalizaç­ão de 2014, congelando em termos reais os benefícios, teremos déficit. É nesse sentido que há um problema estrutural na Previdênci­a.

Em uma sociedade em que a razão de dependênci­a —população acima de 65 anos como proporção da população entre 20 e 64 anos— é menor que 15%, o assunto déficit de um sistema previdenci­ário de repartição não deveria ser nem aventado.

Dois aspectos preocupam no relatório do deputado Samuel Moreira sobre a reforma: a retirada dos estados e municípios e de gatilhos automático­s que ajustam os parâmetros do sistema em função das alterações demográfic­as.

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