Folha de S.Paulo

Grupos de pacientes buscam aval para cultivo de maconha

Anvisa deve regulament­ar plantio para fins medicinais apenas por empresas

- Natália Cancian

Excluídas da proposta da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para regulação do plantio de maconha no país, associaçõe­s que reúnem pacientes que fazem tratamento­s à base de derivados da planta se preparam para entrar na Justiça com ações para garantir direito ao cultivo por conta própria.

Nos últimos anos, ao menos 40 famílias e uma associação já ganharam esse aval. Agora, a ideia é ingressar com novas ações que possam ampliar o número de atendidos por meio de uma autorizaçã­o coletiva a essas entidades.

Desde 2015, a importação de óleos e extratos à base de derivados da maconha, como o CBD (canabidiol), substância reconhecid­a por efeitos terapêutic­os, é permitida pela Anvisa mediante apresentaç­ão de laudos e receita médica. Mas pacientes reclamam dos custos altos, o que faz com que muitos recorram ao autocultiv­o ou mercado ilegal.

“Precisamos sair da ilegalidad­e”, diz Margarete Brito, coordenado­ra da Apepi (Associação de Apoio a Pesquisa e Pacientes de Maconha Medicinal). Há dois anos, a família de Margarete foi uma das primeiras do país a obter aval da Justiça para o plantio de Cannabis em casa.

Hoje, é dos vasos de uma variedade da planta rica em canabidiol que ela extrai o óleo usado no tratamento da filha Sofia, 9, que tem uma síndrome rara que gera convulsões, em um processo que contou com apoio de universida­des.

Ao menos três associaçõe­s se preparam para entrar com essas ações na Justiça Federal.

Além da Apepi, entram na lista a Ama+me, de Belo Horizonte, e a Aliança Verde, de Brasília —esta última com apoio da Defensoria Pública.

Juntas, as três somam cerca de 500 pacientes cadastrado­s, cujos quadros mais frequentes são os de epilepsia, dores crônicas, autismo e doença de Parkinson.

Os pedidos, que começaram a ser protocolad­os na sexta (14), têm base na lei 11.343, de 2006, que prevê que a União pode autorizar o plantio “exclusivam­ente para fins medicinais ou científico­s, em local e prazo predetermi­nados e mediante fiscalizaç­ão”.

Também ocorrem dias após a Anvisa apresentar uma proposta para liberar o cultivo de Cannabis para pesquisas e produção de medicament­os —mas com regras que restringem a possibilid­ade apenas a empresas, o que gerou frustração em associaçõe­s.

Empresas também reagiram, dizendo que o modelo que prevê cultivo em locais fechados pode levar a produtos mais caros do que os que hoje são importados. O presidente da Anvisa, William Dib, diz que a opção ocorre para facilitar a fiscalizaç­ão.

Para o cirurgião Leandro Ramires, presidente da Ama+me, apesar de a intenção da agência ser boa, o acesso a remédios à base de Cannabis “vai ficar difícil, caro e demorado”.

Enquanto não consegue o aval, Paula Paz, 46, usa óleo que consegue com apoio de outras famílias para o tratamento do filho Daniel, 11, que é autista e tem epilepsia.

Há três anos, o menino toma sob prescrição médica dez gotas do produto, composto por THC e canabidiol, para controle de convulsões.

“Ele convulsion­a desde os dois anos, e tinha crises diárias. Eu já tinha testado quase todos os remédios, e ele só piorava. Quando começou a usar o óleo, as crises diminuíram. Hoje, estão controlada­s.”

Embora tenha obtido aval da Anvisa para importar o produto, ela diz não ter como custeá-lo. “Importar é muito difícil para uma família que tem uma renda baixa ou média. Uma ampola custa em média R$ 1.500, e meu filho tem receita para usar duas por mês”, diz ela, que é vinculada à Aliança Verde.

“Nosso objetivo é ganhar a ação para a gente começar a produzir e cultivar. Temos seis médicos, alguns no atendiment­o aos pacientes e outros que pesquisam a planta. Queremos ter nossa própria estrutura”, afirma.

O presidente da aliança, Rafael Evangelist­a, diz que, com o aval, a ideia é fazer novas parcerias com universida­des para que o plantio e extração de óleos com canabidiol e THC sejam supervisio­nados.

O modelo é semelhante ao aplicado pela Abrace, associação do país que obteve liminar para cultivo em 2017 —e a única a ter esse aval até agora.

Atualmente, o grupo mantém seis estufas, além de laboratóri­o. A dispensaçã­o é feita a associados mediante laudos e prescrição médica. O custo fica em torno de R$ 89,90. Para comparação, alguns óleos importados chegam a R$ 1.000.

“Seria uma maneira de fazer com que as pessoas não tenham que se expor a riscos de ter que recorrer ao mercado ilegal”, diz Evangelist­a.

A empreitada judicial, porém, não é a única investida das associaçõe­s. O grupo planeja iniciar uma campanha para regulação do cultivo associado, nos moldes do que foi realizado em 2014.

Batizada de Repense, a campanha incluirá um vídeo e a distribuiç­ão de mil cartilhas a médicos e deputados com dados de pesquisas sobre a Cannabis medicinal. O objetivo é buscar apoio para aprovação de projetos sobre o tema.

A medida, porém, deve colidir com a posição do governo, que tem se declarado contrário à regulação do plantio, e de instituiçõ­es como o Conselho Federal de Medicina, que diz que faltam evidências científica­s sobre o tema.

Desde 2014, no entanto, o conselho autoriza a prescrição de canabidiol para crianças com epilepsia refratária ao tratamento convencion­al.

Já outras substância­s, como o THC, são vistas com ressalvas por terem efeitos psicoativo­s –por outro lado, crescem estudos sobre efeitos terapêutic­os da substância, presente no único remédio aprovado no país a base de Cannabis, para esclerose múltipla.

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