Seleção volta à Bahia 30 anos após ovada, vaias e campo esburacado
Corte do atacante Charles, do Bahia, fez equipe de Lazaroni ser rejeitada pela torcida em Salvador
Na terça-feira (18), o Brasil enfrentará a Venezuela, na Fonte Nova, em Salvador. No estádio e contra o mesmo rival, a seleção estreou na Copa América de 1989, a última disputada no país.
O cenário que Tite enfrentará deve ser bem diferente do que o então técnico do Brasil aturou há 30 anos.
“Ouvimos apupos, tomamos ovada da torcida e jogamos em campo com péssimas condições”, lembra Sebastião Lazaroni, 68 anos, à frente da equipe na época. “Não tinha condições de render”.
Uma escolha do então técnico da seleção gerou o clima hostil descrito por ele em Salvador. Lazaroni optou por cortar Charles, jogador do Bahia, da lista final da Copa América. Preferiu Renato Gaúcho, Romário, Bebeto e Baltazar.
“O Charles tinha sido convocado antes em função de váriosimpedimentosdeatletasque estavam no exterior e aproveitou a chance. Mas na relação finalparaaCopaAmérica,elefoi superado por outros”, afirma.
Otécnicotinhaatéodia30de junho para confirmar a lista final e anunciar os cortes. Charles e toda a torcida do Bahia ficaram sabendo da dispensa um dia antes do jogo contra os venezuelanos, em 1º de julho.
Após o anúncio de que o atacante não faria parte do time, Paulo Maracajá, presidente do clube baiano e deputado estadual, invadiu o hotel da delegação para buscar Charles.
“Elesvêmparaaterradagente para fazer molecagem. Deram esperança ao povo baianoeagorafizeramestatraição. EstoulevandoCharlesparaum lugarmelhor”,gritavaocartola.
Segundo relato da Folha na época, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, tentou conversar com Lazaroni e convencê-lo a incluir o atacante local na equipe para evitar turbulências em Salvador.
O técnico não topou. O preço por abdicar do ídolo do clube baiano foi sentido nas arquibancadas. Na estreia, contra a Venezuela, apenas cerca de 13 mil torcedores foram assistir à seleção brasileira.
A equipe entrou em campo vaiada por uma torcida que levou ao campo rojões, disparados contra a comissão técnica. Os atletas nem conseguiram ficar no banco de reservas.
“Nunca vi um espetáculo tão selvagem”, disse o treinador na época. Os jogadores se irritaram com a recepção em Salvador. “A bandeira do Brasil foi queimada, isso não pode acontecer”, reclamou Alemão. “O Charles não é mais bonito que ninguém”, disse Mauro Galvão. Dos quatro jogos que fez no seu grupo, os três primeiros foram disputados no estádio. O time venceu o primeiro, por 3 a 1, e teve dois empates em 0 a 0, contra Peru e Colômbia.
O time então se despediu da Bahia. O último jogo da primeira fase foi em Recife, one de a equipe foi recebida com festa pela torcida. Em campo, venceu o Paraguai por 2 a 0.
Na capital pernambucana, além da receptividade bem mais calorosa, Lazaroni encontrou na dupla Bebeto e Romário o seu ataque ideal.
“Iniciei a competição com o Renato e o Baltazar, mas não obtive resposta”, lembra o treinador, que no último jogo da primeira fase escalou a dupla Bebeto e Romário.
“Eles gostaram de atuar juntos, tiveram um bom rendimento e isso deu a ideia de que o time tinha de jogar para os dois atacantes”, afirma.
Nasequência,comoMaracanã como palco do quadrangularfinal,foramtrêsduelosetrês vitórias. A última contra o Uruguai, que deu o título ao Brasil, no 1 a 0, com gol de Romário.
A conquista garantiu o empregodeLazaroni,quecomandou a equipe na Copa de 1990.
Técnico que despontava no cenário nacional e com menos de 39 anos, ele tinha no currículo três títulos do Estadual do Rio (1986, pelo Flamengo, 1987 e 1988, com o Vasco) antes de assumir a equipe.
“Euerasóumpoucomaisvelhodoqueeles[jogadores].Mas conhecia muito bem os atletas trabalhei nos clubes com boa parte do grupo”, afirmou.
Um ano após a conquista continental, a seleção foi eliminada nas oitavas de final da Copa do Mundo, em 1990, após perder para a Argentina. A derrota decretou o fim da passagem do técnico, demitido após a queda na Itália.