Folha de S.Paulo

Rosi Campos Ganho dinheiro sendo bruxa, como vou ter um nariz lindo?

Célebre como a Morgana, ela afirma que nunca fez plástica e que hoje virou moda ser atriz; na novela das nove como mãe de uma transgêner­o, diz que o negócio é lutar pela resistênci­a e ser feliz

- Victoria Azevedo

A atriz Rosi Campos já teve que lidar com pais raivosos de fãs mirins. Corria o ano de 1994 e uma multidão “de quase 15 mil pessoas” se aglomerava no Museu da Casa Brasileira, em SP, para acompanhar o primeiro evento oficial do “Castelo Rá-Tim-Bum”.

Fazia apenas seis meses que o programa estava no ar na TV Cultura. Ela conta que ninguém esperava um público assim. “Não tinha nenhum esquema de segurança. Foi uma loucura: tinha gente do interior, crianças de cadeira de rodas, pais bravos que queriam bater na gente na hora que tínhamos que ir embora!”

Criado em 1994, “Castelo RáTim-Bum” teve uma das maiores audiências de programas educativos da emissora. “Infelizmen­te acabou. Por mim, ainda estaria fazendo”, completa. Ela interpreta­va a bruxa Morgana. Em 2018, reviveu a personagem nos palcos com a peça “A Bruxa Morgana contra o Infalível Senhor do Tempo”. Agora, ela se prepara para lançar uma série de livros infantis sobre a feiticeira.

“Serei a bruxa Morgana até a morte”, diz, rebatendo as críticas de que é ruim um ator estar atrelado a uma personagem ao longo de sua carreira. “Tem gente que pergunta se eu não acho chato. Imagina! A coisa mais difícil do mundo é emplacar um negócio assim.”

“O próprio [Sérgio] Mamberti fala que uma vez ele estava na Amazônia e uns índios começaram a chamá-lo de tio Victor [personagem do programa]. Pô, se até os índios se lembram dele, por quem a gente não vai ser lembrado?!” Vira e mexe, ela escuta na rua um grito de “tia Morgana” e é parada para contar histórias e tirar fotos. “Um dia, até fiquei com medo”, diz. “Estava andando e um grupo de crianças me reconheceu. Elas eram muitas e vieram correndo atrás de mim.” E faz cena: “Ah meu Deus! Alguém me ajude! Eu olhava pra trás e não sabia o que fazer: se corria ou se voltava. Mas aí parei e pedi calma”, completa.

A atriz explica que, ao longo dos anos, desenvolve­u uma técnica para evitar incidentes como esses. “Dá pra saber quando vão te reconhecer. Você não pode olhar muito no rosto, tem que criar essa dúvida nas pessoas [que ficam sem saber] se é você mesma ou não”, diz. Rosi lançou mão dessa técnica enquanto andava pela marquise do parque Ibirapuera, em SP, onde conversou com a coluna. Vestindo uma capa de chuva bege —que ora coloca, ora tira, a depender do vento—, conta que mora “ali pertinho”, mas que sua casa estava “uma bagunça” e por isso sugeriu a conversa no parque.

Ela divide o seu tempo entre o Rio e São Paulo, quando consegue uma folga das gravações da novela “A Dona do Pedaço”, da Globo, na qual vive Dorotéia, a Dodô.

Na trama, a personagem tem um filho que passou por transição de gênero. “Eu até perguntei como seria o papel: vai ser um menino que vai fazer uma menina ou o contrário? Nunca tinha trabalhado com uma trans antes. E não pode falar ‘um’. É ‘uma’. E a atriz [Glamour Garcia] é maravilhos­a.”

“As novelas acabam fazendo esse serviço de trazer assuntos atuais para serem debatidos. E isso faz com que a sociedade comece a se questionar sobre os temas e sobre como lidar com eles. Porque nós somos todos iguais. A sua orientação sexual é problema seu. Não tenho nada a ver com quem você quer transar”, diz.

“E ver gente querendo discutir a sexualidad­e e questioná-la em 2019 é complicado, né? Não dá pra você tratar uma coisa que já existe como se ela não existisse e não pudesse ser aceita. Existem várias questões que estão sendo colocadas agora que são retrocesso­s”, acrescenta.

Ela diz que está desencanta­da com os partidos e as ideologias. “Eu milito pela resistênci­a. Temos que resistir e continuar no que a gente acredita. E, sempre que der, enfrentar e se posicionar para conseguir manter as coisas boas.”

“Ontem fui à PUC assistira uma aula de filosofia com o meu marido [o fotógrafo Ary Brandi ]. E, vendou maestudant­es ], cartazes de protesto, eu lembrei que já passei por tudo isso”, comenta.

Ela está há 40 anos com Brandi, mas foi só há três que oficializo­u a relação em cartório, por “questão de formalidad­es”. “Nunca quis casar, sempre achei cafona. Mas choro em todos os casamentos a que vou.” Ela tem um filho, Pedro Brandi, e dois netos (um de 12 anos e um que vai fazer 2).

Aos 65 anos, não vê problema em envelhecer. “Uai, é normal né? Vai fazer o que?”, diz, puxando o sotaque caipira de sua cidade natal, Bragança Paulista. “O [cantor] Ney Matogrosso tem 77 anos e tá rebolando. Tudo depende de como você leva a sua vida.”

Rosi diz que já ouviu de muitas bocas que deveria fazer uma plástica no nariz. “E eu respondo que não. Ganho dinheiro sendo bruxa, como é que eu vou ter um narizinho lindo?”. Além disso, afirma que “morre de medo” de fazer algum procedimen­to estético.

“Se ver na TV é triste, né? Esse HD acabou com a gente”, diz, rindo. “É muito mais agradável você ver uma moça nova, com olhos azuis, loira, do que ver uma velhinha toda enrugadinh­a. Mas nunca me preocupei com isso, não”. Ela diz que não é “nem um pouco vaidosa”.

A atriz conta que “nasceu que nem um quiabo”. “O parto foi tão rápido que só deu tempo de colocar um jornal pra eu não cair no chão”, diz. O seu nome, Rosângela, foi dado em homenagem à parteira, Rosa, pelo rápido e bem-sucedido trabalho.

Rosi é um apelido que foi dado por seu pai. Filha de um advogado com uma dona de casa, foi a primeira atriz da família.

Ela diz que seu pai não enxergava com bons olhos sua paixão pelo cinema. “Naquela época, era sinônimo de pornochanc­hada”. Acabou cursando jornalismo na USP.

E foi na faculdade que entrou em contato com o teatro. Para ela, o gostoso dos palcos é estar “em companhia”. “Sempre trabalhei com grupos. A [Christiane] Torloni brinca que eu devo ter tido algum problema de infância porque sempre quero estar perto das pessoas [risos]. E falo mesmo que nunca vou fazer um monólogo, porque não gosto de ficar sozinha.”

“Ser atriz hoje e antigament­e é muito diferente. Antes, você só era considerad­a atriz se tivesse uma carreira de dez anos e olhe lá. Hoje, virou moda. Você pega qualquer pessoa na rua e já vira protagonis­ta. Essa coisa do mérito, de se preparar é uma coisa completame­nte diferente do que era na minha época.”

“A minha geração teve muita sorte de ter acesso a um padrão altíssimo. Na música, por exemplo, a gente foi criado com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina. Nossa, Elis é a minha paixão.”

“Minha cantora amada que eu tive que ver morta para acreditar. Tive que ver no caixão. Fui até o IML, acredita? Fui louca, tive um ataque de fã. E só vi um show dela. Podia ter visto milhares.”

“Nosso país é muito rico em tudo isso: em talento, em beleza, em autores e atores. E sempre vai aparecer uma pessoa incrível, um talento desses, por mais difíceis que sejam os tempos. E, apesar de tudo nós vamos continuar. Essa coisa de instabilid­ade [econômica] nunca foi um problema para nós [artistas], porque estamos acostumado­s com isso.

“A gente vai e faz porque é louco, passa fome. Mas aí come, se diverte e é feliz. E você quer coisa melhor do que ser feliz?”

 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? A atriz Rosi Campos no parque Ibirapuera, em São Paulo
Karime Xavier/Folhapress A atriz Rosi Campos no parque Ibirapuera, em São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil