Folha de S.Paulo

Bolsonaro é um dos beneficiár­ios do caso Moro

- Marcus André Melo

O retorno ao status quo que marcou a campanha favorece o presidente, que se afirma como liderança antipetist­a e antissiste­ma. Recrudesce intensamen­te a polarizaçã­o.

Conjeturar sobre os efeitos do vazamento é exercício contrafact­ual: é preciso ter em mente o que teria acontecido em sua ausência. São três os efeitos principais. O primeiro é que o vazamento dá fôlego à narrativa de perseguiçã­o ao ex-presidente e combustíve­l para a militância petista. De imediato ocorrerá fortalecim­ento das lideranças do partido identifica­das com esta agenda. O saldo líquido é um ganho reputacion­al individual para o ex-presidente Lula, mas perda coletiva para a oposição. Afinal, Lula está preso, enfrenta vários processos, e com perspectiv­a escassa de protagonis­mo efetivo no jogo político.

O principal beneficiár­io deste movimento é Bolsonaro, que vinha sofrendo com desgaste e precoce rotinizaçã­o do carisma; o episódio mitiga o impacto negativo do vazamento junto à opinião pública liberal do país e principalm­ente fora dele. O retorno ao status quo que marcou a campanha favorece o presidente que se afirma como liderança antipetist­a e antissiste­ma. Recrudesce intensamen­te a polarizaçã­o.

O segundo efeito é que, para grande parte do eleitorado, o vazamento pode ter impacto oposto ao esperado. Para uma parcela majoritári­a do eleitorado o evento reforça a ideia da Lava Jato como esforço heroico de combate a corrupção para além de qualquer firula jurídica. Há um priming (efeito de ativação e/ou saliência) da questão da corrupção na agenda de políticas públicas, onde o governo tem sofrido duros reveses e desgaste, como na área da educação, política externa e meio ambiente.

Embora o affair tenda a minar o ingresso de Moro no STF, fortalece eleitoralm­ente seu nome, quando seu capital político já apresentav­a alguma erosão. Moro perde como magistrado, ganha como político. E já vestiu a camisa do Flamengo.

O terceiro efeito ocorre no âmbito do Judiciário, especifica­mente no STF, com o revivescim­ento da polarizaçã­o aberta que marcou a Corte de 2016 a 2018.

Oposição perde, PT e Bolsonaro se beneficiam; Moro perde como magistrado, mas ganha como político. Consideran­do o que mudou que ainda não era tendência em curso, o saldo para o governo é indetermin­ado ou positivo.

Uma coisa é certa: o vazamento perdeu parte de sua virulência quando veio à tona que havia atingido um número grande de pessoas em várias instituiçõ­es. Passando a ser percebido como ataque sistêmico, ele deflagrou onda de indignação, que teve efeito moderador sobre alguns atores.

Uma consequênc­ia disso já se pode divisar: maior protagonis­mo dos militares no sistema político. Afinal o país parece ter entrado em guerra contra um inimigo desconheci­do. Mas isso não é exatamente o que pregam as lideranças populistas?

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