Folha de S.Paulo

Tormenta argentina

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Acerca de eleições em meio à crise econômica.

A menos de uma semana do fim do prazo para o registro das pré-candidatur­as à Presidênci­a da Argentina, o tabuleiro político da disputa, marcada para outubro, está praticamen­te todo armado.

Enfraqueci­dos, os dois principais contendore­s, o presidente Mauricio Macri e sua antecessor­a, Cristina Kirchner, apostaram em movimentos surpreende­ntes para tentar ampliar as bases de votos e superar suas fragilidad­es —o fracasso da política econômica, no caso do primeiro; as acusações de corrupção, no da segunda.

O índice de desemprego chegou a 9%, e a inflação, nos últimos 12 meses, acumulou 57,3%. O Produto Interno Bruto encolheu 2,5% em 2018, e a recessão permanece. Tais fatores contribuír­am para o aumento substancia­l da taxa de pobreza. Hoje, 32% da população encontra-se nessa situação, e 6,7% são considerad­os indigentes.

Com a aprovação em queda e uma eleição pela frente, o liberal Macri passou a empregar estratagem­as populistas, como o congelamen­to de preços de artigos essenciais, casos de alimentos, energia e transporte­s. Neste domingo (16), viu-se às voltas com um apagão de proporções históricas.

Na última semana, anunciou como seu vice Miguel Pichetto, membro do oposicioni­sta Partido Justiciali­sta. Peronista histórico e líder de sua agremiação no Senado desde 2003, Pichetto foi um importante aliado de Nestor e Cristina Kirchner, com a qual rompeu em 2015.

A intenção de Macri parece ser a de recuperar o terreno perdido buscando o voto peronista de centro e centro-direita, além de acenar com maior governabil­idade num eventual segundo mandato.

Sua adversária, por sua vez, está enredada num cipoal de processos de corrupção. Ela enfrenta uma dezena de acusações, entre as quais desvio de verbas e lavagem de dinheiro. Só escapou da prisão preventiva porque, como senadora, goza de foro privilegia­do.

Em meados de maio, Cristina Kirchner anunciou que concorrerá como vice, cedendo a cabeça de chapa a Alberto Fernandéz, seu ex-chefe de gabinete, peronista tido como moderado. Com uma rejeição alta, a ex-presidente busca, dessa forma, limar as arestas mais ásperas do kirchneris­mo e tornar sua candidatur­a mais palatável.

A tais lances inusitados, acrescenta-se ainda outro —este lamentável. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem manifestad­o apoio aberto à reeleição de Macri, afirmando que a volta da antecessor­a ao poder constituir­ia retrocesso.

Intromissõ­es indevidas em pleitos alheios, como essa, servem apenas para alimentar animosidad­es e constrangi­mentos diplomátic­os.

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