Folha de S.Paulo

‘Vem aí um jornal’, disse Francis

- Ruy Castro

Foi há 50 anos. Paulo Francis me falou: “Vem aí um jornal. Um semanário. Meio sério, meio de humor. É coisa do Tarso de Castro, do Jaguar e do Sérgio Cabral. Vai se chamar O Pasquim. Quer colaborar nele?”. “Se quero!”, respondi. “Vou falar com o Tarso”, prometeu. O jornal saiu. Seis ou sete números depois, Tarso me chamou. Fui. A Redação ficava na rua do Resende, na Lapa —o que era curioso, porque o jornal tinha todo um sabor de Ipanema. Tarso foi claro: “Para colaborar no Pasquim, tem duas condições. Você é contra ou a favor da ditadura?”. Eu: “Que pergunta. Contra, claro”. Ele: “Qual é o seu time?”. E eu: “Flamengo”. “OK, vai colaborar”, decretou Tarso. E assim foi.

Era uma brincadeir­a, porque ele me conhecia dos artigos no Correio da Manhã e na revista Diners, onde eu trabalhara em 1968 sob Paulo Francis. Mas assim era o Pasquim —desde já, fingindo não se levar a sério.

Um jornal independen­te, sem patrões, era um velho sonho dos jornalista­s. Tentado várias vezes, nunca dera certo por muito tempo. O Pasquim deu, e sob as piores condições. O Ato 5 fora decretado seis meses antes, e parte da imprensa estava sob censura. O Pasquim, não —os homens não sabiam o que pensar daquele deboche que parecia apolítico. Quando acordaram, mais de um ano depois, mandaram um censor. Mas quem? O general Juarez, pai de Helô Pinheiro, a garota de Ipanema, e que adorava ser tapeado.

O Pasquim tirou a gravata da imprensa, entrevisto­u todo mundo que valia a pena e lançou modas. Teve colaborado­res presos e inúmeras edições apreendida­s. Durou 22 anos, embora, em minha opinião, só os primeiros dez tenham sido para valer —o começo da abertura, em 1979, cegou o seu gume.

Fui um colaborado­r bissexto, mas tenho uma medalha. No Pasquim mais famoso, o nº 22, com a entrevista de Leila Diniz, meu nome está nas chamadas de capa. E sem nenhum artigo meu naquele número.

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