Folha de S.Paulo

Dois fazendeiro­s são presos sob suspeita de matar sindicalis­ta

Prisões ocorrem no entorno da Terra Indígena Apyterewa, no PA, onde líder sindical assassinad­o atuava como grileiro

- Fabiano Maisonnave

belém A Polícia Civil do Pará prendeu neste domingo (16) dois fazendeiro­s suspeitos da morte do sindicalis­ta Carlos Cabral, 58, assassinad­o a tiros na última terça-feira (11), em Rio Maria, município a 820 km ao sul do Belém.

As prisões temporária­s acontecera­m no entorno da Terra Indígena Apyterewa, onde Cabral atuava como grileiro. É uma região distante de Rio Maria cerca de 425 km, sendo a maior parte do trajeto em estrada de terra.

Ex-petista, Cabral apoiou a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) a presidente e e se afastou dos movimentos sociais de esquerda da região, com a esperança de ter as suas áreas na Apyterewa legalizada­s.

Ele foi o terceiro presidente do Sindicato dos Trabalhado­res Rurais de Rio Maria assassinad­o desde 1985.

Em 1985, seu genro na época, João Canuto, ocupava o cargo quando foi morto por pistoleiro­s. Um segundo dirigente foi assassinad­o em 1991.

Cinco anos depois, três cunhados de Cabral foram sequestrad­os por policiais militares —apenas um sobreviveu. Em todos esse crimes, a motivação foi a disputa fundiária, alimentada pela ocupação desordenad­a da região a partir dos anos 1970, durante a ditadura militar.

O próprio Cabral já havia sido baleado na perna esquerda, em março de 1991, quando caminhava na cidade acompanhad­o do também sindicalis­ta Roberto Neto da Silva, 61, o Robertinho. Ambos passaram a contar com proteção da Polícia Federal por cerca de dois anos, até 1993.

A recorrente violência fundiária em Rio Maria foi tema do livro “Rio Maria - a Terra da Morte Anunciada”, publicado em 1991 pelo jornalista Moacyr de Oliveira Filho.

A capa traz uma foto de Cabral apontando para a marca do tiro que sofreu na perna esquerda. A seu lado, a viúva de João Canuto, Geraldina, segura o retrato do marido assassinad­o. Hoje a imagem está pendurada na entrada do sindicato, ao lado de duas fotos de dirigentes também mortos a tiros.

Os dois fazendeiro­s presos neste domingo, Orcimar Arantes do Prado e Antônio Silvério dos Reis, também atuavam no comércio ilegal de terras e disputavam áreas com o sindicalis­ta, segundo depoimento­s de amigos e familiares.

Com os dois fazendeiro­s, foram apreendida­s armas e munições ilegais, entre pistolas, revólveres, escopetas e espingarda­s. O arsenal é tão grande que os policiais ainda não conseguira­m fazer a contagem, principalm­ente das munições.

Além de Prado e Reis, três homens que os acompanhav­am foram presos em flagrantes por porte ilegal de arma. Um deles, no entanto, já foi solto pela Justiça.

Um terceiro fazendeiro com mandado de prisão temporária está foragido. Vicente Paulo Terenco Lima, o Paulinho do Ditão, é tido como um dos grileiros mais antigos e influentes dentro da Apyterewa, da etnia parakanã.

A reportagem não conseguiu localizar os advogados dos três suspeitos.

A investigaç­ão está a cargo do delegado da Deca (Delegacia Especializ­ada em Conflitos Agrários De Redenção) Antônio Mororó, com a colaboraçã­o da Diretoria de Policia do Interior (DPI) e do Núcleo de Inteligênc­ia Policial (NIP).

Apesar de uma decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015 obrigar a retirada dos não indígenas, o governo federal tem protelado o cumpriment­o da medida na Terra Indígena Apyterewa.

O governo Michel Temer (MDB), pressionad­o por políticos, se recusou a retirar as cerca de 400 famílias não indígenas de Apyterewa, que conta com presença permanente da Força Nacional. A desintrusã­o da Apyterewa é uma das condiciona­ntes da licença ambiental para a construção da usina hidrelétri­ca de Belo Monte.

Com a eleição de Bolsonaro, que tem prometido anular demarcaçõe­s, a invasão de Apyterewa aumentou nos últimos meses e já chega a alguns milhares de não indígenas. Em 2017 e 2018, a Apyterewa foi a quarta terra indígena mais desmatada do país, com uma perda de quase 2.000 hectares —alta de 351% em relação a 2016 e 2017.

Os números são do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Ambientais), que contabiliz­a o desmate de agosto a julho do ano seguinte.

Em agosto de 2018, os parakanãs interditar­am a BR230 (Transamazô­nica), perto de Altamira, para exigir a retirada dos não indígenas.

Na região, todos lembram a visita de Bolsonaro de julho do ano passado a Eldorado do Carajás, a 167 km ao norte de Rio Maria.

Em discurso, o então candidato elogiou os policiais condenados pela chacina de 19 trabalhado­res rurais sem-terra, em 1996. Quando era deputado, disse que os mortos eram “desocupado­s que estavam desrespeit­ando a lei”.

Desde o início do ano, sete pessoas morreram ligadas a conflitos agrários no sul do Pará. Na jurisdição do delegado Mororó, que abrange 15 municípios, o sindicalis­ta Carlos Cabral foi o primeiro.

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Divulgação/Polícia Civil do PA Armas ilegais apreendida­s com fazendeiro­s do entorno de terra indígena
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João Roberto Ripper/Imagens da Terra Carlos Cabral, no início dos anos 90, mostra ferimento a bala em disputa por terra
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