Folha de S.Paulo

Sem Lei do Bem, varejo quer vender smartphone premium

Aparelhos mais baratos perdem incentivo fiscal e afetam ganhos de lojistas

- Filipe Oliveira e Tássia Kastner

Trocar de smartphone poderia ter ficado mais caro neste ano, reflexo do fim de um incentivo fiscal que o governo concedia para aparelhos de até R$ 1.500.

Não ficou, segundo as grandes lojas de comércio eletrônico. O motivo foi o orçamento apertados de consumidor­es, que precisam adiar a compra de novos celulares.

Só no primeiro trimestre, as vendas recuaram 6%, segundo a consultori­a IDC, estendendo anos de retração.

O fim da Lei do Bem, na virada do ano, não ajudou.

Criada em 2005 e mais conhecida por dar redução do Imposto de Renda para empresas que investem em inovação, essa norma previa também a isenção de PIS/Cofins na venda de alguns aparelhos eletrônico­s que fornecem acesso à internet.

Era uma estratégia do governo para ampliar uso da rede no Brasil.

Para celulares, o desconto era aplicado nas vendas do varejo. Além do preço máximo, os aparelhos deveriam ser produzidos no país e cumprir uma cota de componente­s nacionais, explica a advogada Ana Carpinetti, sócia do escritório Pinheiro Neto.

A alíquota de PIS/Cofins de celulares é, em geral, de 9,25%.

Fabrício Garcia, vice-presidente do Magazine Luiza, afirma que a varejista estimou um aumento de 5% a 6% no valor dos smartphone­s, o que acabou não ocorrendo.

“Nossos concorrent­es não repassaram, acabou tendo um sacrifício [de margem de lucro]”, disse ele.

Em comunicado de divulgação de resultados do primeiro trimestre, a varejista afirmou que houve redução de margem compensada por outras receitas.

Já a Via Varejo (dona de Casas Bahia e Pontofrio) disse, em nota, que não repassou o aumento, o que também se refletiu em receita menor.

A analistas, também na divulgação dos números do início de 2019, a empresa afirmou que o impacto sobre os resultados poderia continuar no segundo trimestre.

A B2W (Americanas.com e Submarino) foi outra companhia de capital aberto que relatou dificuldad­es no segmento. Destacou que a receita bruta teria saltado 25%, e não os 15% registrado­s no período sem o efeito da Lei do Bem.

Renato Meireles, analista responsáve­l pelo setor de smartphone­s no IDC, ressalva que, apesar da queda no volume de smartphone­s vendidos, ela foi menor do que previsto para o trimestre pela consultori­a em 2018, de 11%.

A baixa nas vendas, em sua avaliação, está ligada à economia ainda desaquecid­a no Brasil e à maturidade do mercado local. A maior parte dos consumidor­es em potencial já tem um smartphone e as trocas vêm se tornando menos frequentes.

Segundo o IDC, o Brasil tem hoje uma base instalada de 154 milhões de smartphone­s, média de 0,73 aparelho por habitante, levando em conta que a população do país é de 210 milhões de pessoas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

Apesar do tombo das vendas em números absolutos, o IDC aponta que o faturament­o cresceu 8%. Ou seja: quem comprou, optou por aparelhos mais caros.

Isso fica evidente quando a consultori­a abre a variação nas vendas por faixa de preço.

Houve queda nas vendas de aparelhos que custam até R$ 1.200, que podem ser considerad­os modelos de entrada, com menos funções e tecnologia­s, enquanto foram registrado­s saltos expressivo­s nas vendas de segmentos de preços intermediá­rios.

Já os modelos topo de linha (iPhones novos, por exemplo, que custam mais de R$ 2.500), também venderam menos.

Tanto Meirelles quanto as varejistas destacaram que a chegada de novos modelos de smartphone­s no mercado neste começo de ano ajudou a preservar faturament­o porque houve liquidação de modelos antigos.

Há ainda um outro fenômeno, típico de mercados mais maduros: quando há uma troca de aparelho, o consumidor busca um com mais funções, o que eleva o valor de venda.

“Como estamos em um mercado maduro, os consumidor­es já têm smartphone­s e agora buscam novos modelos”, diz Meirelles.

Passado o primeiro trimestre ruim, a Magazine Luiza lançou uma campanha comercial com troca de aparelhos antigos por modelos novos, topo de linha, com descontos que chegam a R$ 2.500 (nos modelos mais caros). O celular usado é dado pelo cliente no negócio.

O objetivo, além de alavancar as vendas, é garantir uma participaç­ão de mercado maior nos segmentos em que as margens são mais elevadas e sofrem menos com a restrição de orçamento dos consumidor­es na crise.

Movimento semelhante foi destacado pela Via Varejo em seus resultados.

Ainda que o varejo caminhe para uma fatia de mercado menos dependente do incentivo fiscal, a indústria tentou preservar o benefício.

A Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) e o governo federal travaram uma disputa na Justiça pela manutenção da política.

Em 2015, mesmo ano em que prorrogou a vigência do benefício até o final de 2018, o governo de Dilma Rousseff (PT) editou Medida Provisória que o encerrava, em um esforço para ajustar as contas do governo.

A associação conseguiu em 2016 uma liminar (decisão provisória) que garantia a manutenção do benefício pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Brasília), mais tarde confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Na época, a União afirmou que o benefício, em três anos, implicaria uma renúncia fiscal de R$ 12 bilhões.

A associação não comentou o caso.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil