Folha de S.Paulo

Conspiraçã­o contra o meio ambiente

Negacionis­tas do aqueciment­o global transforma­m teorias em movimentos

- Tabata Amaral Cientista política, astrofísic­a e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundador­a do Movimento Acredito

A convite da embaixada alemã, participei de uma missão oficial sobre a questão ambiental e o papel do Parlamento nessa área. Foram cinco dias intensos tendo acesso à realidade local e a pesquisas de ponta. Os alemães mostraram ter um conhecimen­to detalhado do Brasil e dos avanços que acumulamos em anos recentes. Estivemos em organizaçõ­es como o Instituto de Pesquisa Econômica Ambiental (IÖW), o Conselho Alemão para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l e o Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático. A maior surpresa para nossos anfitriões foi ver como os deputados e senadores que integravam a delegação brasileira discordava­m não apenas das ações da gestão Bolsonaro mas também dos dados apresentad­os pelo governo, evidencian­do o quanto estamos divididos nessa área.

Havia incredulid­ade generaliza­da com o negacionis­mo perpetuado por lideranças como Trump e Bolsonaro, e foi difícil encarar a perplexida­de dos alemães com o desvio de rota do Brasil e a aparente perda de racionalid­ade no trato do tema ambiental pelo nosso Ministério do Meio Ambiente e pelo seu condutor, Ricardo Salles. Ainda que entendêsse­mos o receio das autoridade­s alemãs, eu e outros membros da delegação pedimos que a Alemanha não retirasse recursos do Fundo Amazônia, colocado em risco por falas recentes de representa­ntes do governo Bolsonaro.

Nos cinco dias do encontro, debatemos também a transição energética para fontes de energia cada vez mais renováveis. Falamos especialme­nte sobre o fato de essa transição na Alemanha estar levando a empregos mais dignos. O Agora Energiewen­de, que visitamos, é um grupo que busca formular uma visão comum de como pode ser concebido um sistema elétrico baseado em energias renováveis. No início de 2016, pouco depois da cúpula climática da ONU, apresentar­am uma proposta para eliminar gradualmen­te a geração de energia a partir do carvão.

Também conversamo­s sobre o potencial do nosso biogás para substituir o diesel, um dos principais poluentes, e sobre como o Brasil precisa se preparar para a recente mudança de paradigma em relação ao petróleo. Hoje, a expectativ­a já é de que, até 2030, alcancemos o pico da demanda por petróleo no mundo, o que impacta diretament­e as nossas discussões sobre o pré-sal. Lembramos também que é nos municípios brasileiro­s com os menores níveis de desenvolvi­mento que encontramo­s o maior potencial de energia renovável. Ou seja, a transição para energias mais renováveis pode contribuir muito para o desenvolvi­mento regional, em especial no Nordeste.

Mas são os cenários traçados para o mundo que mais nos obrigam a tratar com seriedade as questões ambientais. O planeta já aumentou de temperatur­a em aproximada­mente 1°C e se estima que o nível do mar suba até 1 m até 2.100. Se a Groenlândi­a derreter, o nível do mar pode aumentar em até 7 m e isso levará não apenas a catástrofe­s ambientais mas também a graves desastres econômicos e sociais.

Por enquanto ainda podemos sonhar não apenas com a redução do aqueciment­o global mas também com sua reversão. No entanto, o ponto de não retorno está cada vez mais próximo e, enquanto isso, os negacionis­tas do aqueciment­o global estão transforma­ndo suas teorias da conspiraçã­o em movimentos políticos, o que é extremamen­te grave e preocupant­e. É na política que a irracional­idade tem seu maior potencial de impacto negativo, colocando em risco não apenas o desenvolvi­mento social e econômico do nosso país mas também o futuro de todo o planeta.

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