Arquiteto Rodrigo Lefèvre tem finalmente obra unida em livro
Defensor de uma ‘poética da economia’, ele projetou até preso pela ditadura
Não são poucos os arquitetos relevantes brasileiros que não contam com uma publicação exclusiva a respeito de sua obra.
Alguns desses profissionais chegaram a ser objeto de doutorados, mas o acesso a eles é restrito a um ou dois exemplares encontráveis na biblioteca da universidade na qual o trabalho de pós-graduação foi feito.
A obra de Rodrigo Lefèvre (1938-1984) encontrava-se nesta situação até a publicação da pesquisa do professor Miguel Antonio Buzzar, que sai pela Edições Sesc.
No panorama brasileiro, Lefèvre é um raro exemplo de real coerência entre sua prática arquitetônica e sua fundamentação política. Com Sérgio Ferroe Flávio Império, fez parte deu mg rupo de jovens pensadores alcunhado de Arquitetura Nova (há dois livros sobre o grupo de autoria de Ana Paula Koury e Pedro Arantes), que despertou acalorados debates no meio arquitetônico paulista nos anos 1960 e 1970.
O livro “Rodrigo Brotero Lefèvre e a Vanguarda da Arquitetura no Brasil” sistematiza a obra completa do arquiteto, algo que antes se encontrava disperso em diferentes trabalhos acadêmicos, periódicos de época e arquivos.
A virtude maior do título é o seu esforço constante em explicar como decisões internas de cada projeto provêm de ideias mais amplas. Afinal, suas formulações esteavam-se em reflexões, de fundamentação marxista, sobre a sociedade. Bem no espírito de maio de 1968.
Lefèvre não questionava formas dos edifícios, mas as relações de trabalho nos canteiros de obras. Contrapunha-se à hierarquia comumente estabelecida em um projeto entre arquiteto, construtor, pedreiro e outros profissionais —costumava defini-la como autoritária.
Posicionando-se contrariamente ao projeto político econômico desenvolvimentista defendido por nomes como Oscar Niemeyer e João Vilanova Artigas para o Brasil, o trio Arquitetura Nova não se iludia coma máxi made que a evolução técnica da indústria e da construção civil nacional iria melhorara qualidade de vida para todas as classes sociais.
Por isso, defenderam a “poética da economia”, nas palavras de Lefèvre e de Ferro, “do absolutamente indispensável, da eliminação de todo o supérfluo”.
Buzzar mostra na obra como tais ideias fundamentaram os projetos de Lefèvre decas ascoma cobertura em abóboda —uma solução de inteligência econômica e construtiva dentro de uma escassez de meios.
Questões como a racionalidade construtiva e a modulação ficam ainda mais evidentes em projetos quase nunca estudados como a sede do DNER em Brasília e o prédio dos ambulatórios do Hospital das Clínicas, que Lefèvre capitaneou dentro da empresa Hidroservice, nos anos 1970.
Esses edifícios são posteriores ao momento em que o arquiteto esteve na luta armada contra o regime militar e também à sua prisão, que ocorreu em 1970 —interessante ressaltar que, mesmo dentro do cárcere, ele continuou projetando.
O que não muda o fato de Lefèvre ter uma trajetória representativa das agruras que intelectuais de esquerda enfrentaram na ditadura militar. Nesta conjuntura absolutamente adversa, fez projetos muito relevantes.
O livro retira o arquiteto da quase total omissão e se torna a obra de referência sobre o personagem para outros pesquisadores de arquitetura.
Proveniente de uma tese defendida na USP em 2002, contudo, o livro não apresenta a conversão de um vocabulário específico para uma leitura palatável a um público mais amplo do que o do meio arquitetônico.