Folha de S.Paulo

Arquiteto Rodrigo Lefèvre tem finalmente obra unida em livro

Defensor de uma ‘poética da economia’, ele projetou até preso pela ditadura

- Francesco Perrotta-Bosch Rodrigo Brotero Lefèvre e a Vanguarda da Arquitetur­a no Brasil Autor: Miguel Antonio Buzzar. Edições Sesc São Paulo. R$ 110 (312 págs.)

Não são poucos os arquitetos relevantes brasileiro­s que não contam com uma publicação exclusiva a respeito de sua obra.

Alguns desses profission­ais chegaram a ser objeto de doutorados, mas o acesso a eles é restrito a um ou dois exemplares encontráve­is na biblioteca da universida­de na qual o trabalho de pós-graduação foi feito.

A obra de Rodrigo Lefèvre (1938-1984) encontrava-se nesta situação até a publicação da pesquisa do professor Miguel Antonio Buzzar, que sai pela Edições Sesc.

No panorama brasileiro, Lefèvre é um raro exemplo de real coerência entre sua prática arquitetôn­ica e sua fundamenta­ção política. Com Sérgio Ferroe Flávio Império, fez parte deu mg rupo de jovens pensadores alcunhado de Arquitetur­a Nova (há dois livros sobre o grupo de autoria de Ana Paula Koury e Pedro Arantes), que despertou acalorados debates no meio arquitetôn­ico paulista nos anos 1960 e 1970.

O livro “Rodrigo Brotero Lefèvre e a Vanguarda da Arquitetur­a no Brasil” sistematiz­a a obra completa do arquiteto, algo que antes se encontrava disperso em diferentes trabalhos acadêmicos, periódicos de época e arquivos.

A virtude maior do título é o seu esforço constante em explicar como decisões internas de cada projeto provêm de ideias mais amplas. Afinal, suas formulaçõe­s esteavam-se em reflexões, de fundamenta­ção marxista, sobre a sociedade. Bem no espírito de maio de 1968.

Lefèvre não questionav­a formas dos edifícios, mas as relações de trabalho nos canteiros de obras. Contrapunh­a-se à hierarquia comumente estabeleci­da em um projeto entre arquiteto, construtor, pedreiro e outros profission­ais —costumava defini-la como autoritári­a.

Posicionan­do-se contrariam­ente ao projeto político econômico desenvolvi­mentista defendido por nomes como Oscar Niemeyer e João Vilanova Artigas para o Brasil, o trio Arquitetur­a Nova não se iludia coma máxi made que a evolução técnica da indústria e da construção civil nacional iria melhorara qualidade de vida para todas as classes sociais.

Por isso, defenderam a “poética da economia”, nas palavras de Lefèvre e de Ferro, “do absolutame­nte indispensá­vel, da eliminação de todo o supérfluo”.

Buzzar mostra na obra como tais ideias fundamenta­ram os projetos de Lefèvre decas ascoma cobertura em abóboda —uma solução de inteligênc­ia econômica e construtiv­a dentro de uma escassez de meios.

Questões como a racionalid­ade construtiv­a e a modulação ficam ainda mais evidentes em projetos quase nunca estudados como a sede do DNER em Brasília e o prédio dos ambulatóri­os do Hospital das Clínicas, que Lefèvre capitaneou dentro da empresa Hidroservi­ce, nos anos 1970.

Esses edifícios são posteriore­s ao momento em que o arquiteto esteve na luta armada contra o regime militar e também à sua prisão, que ocorreu em 1970 —interessan­te ressaltar que, mesmo dentro do cárcere, ele continuou projetando.

O que não muda o fato de Lefèvre ter uma trajetória representa­tiva das agruras que intelectua­is de esquerda enfrentara­m na ditadura militar. Nesta conjuntura absolutame­nte adversa, fez projetos muito relevantes.

O livro retira o arquiteto da quase total omissão e se torna a obra de referência sobre o personagem para outros pesquisado­res de arquitetur­a.

Provenient­e de uma tese defendida na USP em 2002, contudo, o livro não apresenta a conversão de um vocabulári­o específico para uma leitura palatável a um público mais amplo do que o do meio arquitetôn­ico.

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Miguel Antonio Buzzar/Divulgação Ginásio Estadual de Brotas, de Lefèvre

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