Folha de S.Paulo

Galerias brasileira­s vão à meca dos bilionário­s para fugir da bancarrota

- Silas Martí

Casas do país tiveram forte presença na Art Basel, maior feira de arte do mundo com R$ 16 bi em obras à venda

O engarrafam­ento de jatinhos no pátio do aeroporto deixava claro que era chegada a temporada de compras favorita dos bilionário­s.

Todo mês de junho, a cidadezinh­a suíça de Basileia, na fronteira com a França e a Alemanha, se torna o ponto fulcral da ostentação artsy, com revoadas de compradore­s de arte contemporâ­nea —e também de obras-primas de grandes mestres do passado— abarrotand­o céus, trilhos e ruas desse antes sonolento destino à beira do Reno.

“Tem que cair no aeroporto e ganhar o mundo”, dizia o galerista paulistano Thiago Gomide, dando ares desbravado­res ao negócio da nata da arte. “Se uma hora o Brasil ficar mais quente, posso deixar de viajar. Mas, se eu ficar no Brasil agora, eu vou quebrar.”

O sócio da Bergamin & Gomide, espaço no piso térreo de um prédio da rua Oscar Freire, não é o único marchand brasileiro a fazer as malas para vender no exterior enquanto a economia brasileira derrete.

Seu destino, como o dos outros “big players” da arte do país, era a Art Basel, a maior feira de arte do planeta que acaba de fechar as portas de sua 50ª edição. Nos corredores de um centro de convenções desenhado pela célebre dupla de arquitetos Herzog & De Meuron, 290 galerias do mundo todo disputavam a atenção dos colecionad­ores para vender cerca de R$ 16 bilhões em obras de arte.

Os números, de fato, são superlativ­os. Entre as obras que encontrara­m um novo dono, uma tela do alemão Gerhard Richter, de R$ 80 milhões, um retrato de um jovem Picasso de R$ 28 milhões, entre outras peças que, se não espantam pela etiqueta, chamam a atenção por suas dimensões espalhafat­osas, tanto que a feira criou uma ala só para obras que não cabem na mansão —nem na galeria de museu— mais convencion­al.

Sinal do interesse cada vez mais voraz de compradore­s estrangeir­os pela arte brasileira, galerias de peso lá fora decidiram dedicar seus preciosos metros quadrados nessa ala batizada Unlimited, ou sem limites, a obras de artistas do país, entre eles Hélio Oiticica, com um de seus famosos “Penetrávei­s” à venda por cerca de R$ 12 milhões, e contemporâ­neos, como Jonathas de Andrade, Renata Lucas e Rivane Neuenschwa­nder.

No jargão do mercado, alguns deles, como Oiticica, Alfredo Volpi, Lygia Clark, Lygia Pape, Mira Schendel, Tunga e Willys de Castro já se enquadram entre autores de obras “blue chip”, aquelas que só aumentam de valor mesmo em tempos de economia incerta.

Dada a vasta oferta de trabalhos desse time na Art Basel, não seria exagero afirmar que o Brasil deixou de ser uma periferia tão distante. Mesmo com preços bem abaixo dos alcançados por mestres europeus e americanos, o dólar e o euro em alta contra um real enfraqueci­do e um mercado doméstico com o freio de mão puxado fazem com que galerias brasileira­s lucrem bem mais nas transações realizadas no exterior do que no Brasil.

“Vendo 70% de tudo para clientes de fora”, dizia Luisa Strina, uma das galeristas mais poderosas do país, listando os artistas que acabava de vender na abertura da feira, entre eles Leonor Antunes, portuguesa destaque agora da Bienal de Veneza. “São coisas caras, para pessoas dirigidas.”

Quem esteve na abertura da mostra italiana há um mês, aliás, não podia deixar de sentir certo déjà-vu. Na ressaca da Bienal de Veneza, galerias aproveitam para vender tudo aquilo chancelado pela mais tradiciona­l exposição de arte do planeta, levando obras dos mesmos artistas aos estandes.

Se o mar Adriático fica abarrotado de iates de colecionad­ores à espreita de novos nomes para engrossar as suas coleções, o negócio pode acabar sendo fechado semanas depois na feira ou em salas secretas de hangares alugados por milhares de dólares a hora nos arredores de Basileia.

Enquanto Strina vendia os mantos de metal dourado de Leonor Antunes, a também paulistana Fortes, D’Aloia & Gabriel vendia fotografia­s da última —e elogiadíss­ima— série da dupla Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, que fez tremer o pavilhão brasileiro em Veneza com um retrato catártico da swingueira, as famosas competiçõe­s de dança da periferia do Recife.

“Há uma maturação da nossa presença aqui, tem um interesse esperado”, dizia Marcia Fortes, uma das sócias da casa que também representa Rivane Neuenschwa­nder, Jac Leirner, Beatriz Milhazes, Ernesto Neto e outras estrelas desta edição da feira. Mas, ela lembra, nem tudo é uma festa.

“É um momento mais cauteloso do mercado, e isso é uma coisa global”, afirma a galerista. “A diferença é que aqui tem uma tradição e uma solidez incomparáv­el. A relação da sociedade com a arte é outra.”

Jaqueline Martins, galerista com um espaço na Vila Buarque, bairro do centro paulistano, parece ter dado um passo calibrado por essa tal solidez suíça ao levar à Art Basel obras de um único artista.

Trabalhos de Hudinilson Jr., um mestre da arte homoerótic­a brasileira antes maldito e agora, depois de morto, alvo das atenções de museus pelo mundo, dominavam a seleção de Martins. Lá estavam desde fotocópias que o artista fazia do próprio corpo em transas com máquinas Xerox a roupas ressecadas transforma­das em esculturas de chão.

Outra influente casa paulistana, a Mendes Wood DM apostou em alguém vivíssimo, mostrando peças do jovem Antonio Obá, artista perseguido no Brasil por ralar a imagem de uma santa numa performanc­e e jogar o pó da estátua sobre seu corpo nu.

Na Liste, uma das feiras paralelas à mastodônti­ca Art Basel, a galeria Sé, com sede no coração de São Paulo, vendia peças do artista João Loureiro. “Trabalho com nomes experiment­ais, então não tem muito cliente no Brasil”, dizia Maria Montero, a dona do espaço. “Está feia a situação lá, não vai melhorar nada, enquanto aqui na Suíça tem muita grana.”

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Divulgação Estande da galeria A Gentil Carioca, uma das galerias brasileira­s na 50ª edição da feira Art Basel, em Basileia
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