Folha de S.Paulo

Terrorismo digital

Prática é agora um player legítimo na nossa realidade política

- Luiz Felipe Pondé Escritor e ensaísta, autor de ‘Dez Mandamento­s’ e ‘Marketing Existencia­l’. É doutor em filosofia pela USP

O Ministério Público caiu sob um ataque orquestrad­o e financiado de terrorismo digital. Esse é o grande protagonis­ta político do vazamento das conversas entre agentes da Lava Jato. Num olhar que vê a cauda longa de certos eventos, o debate ao redor da possível simpatia dos diálogos vazados pela condenação de Lula não é o essencial, porque o Estado de Direito já está sob ataque sistemátic­o no país, e quem começou a matá-lo foi o próprio PT, com seu desejo de poder por mil anos.

O PT não tem moral pra falar de defesa da democracia. Caso Haddad tivesse vencido as eleições, hoje apoiaríamo­s o ditador Maduro na Venezuela, que foi elogiado por altas patentes do partido quando foi “reeleito”. Portanto, a narrativa de virgem violentada que o PT faz após esse conteúdo hackeado só engana bobo.

O corrupto PT se vende como defensor da democracia, mas quem crê nessa imagem é ingênuo, ignorante ou mentiroso. E, numa democracia, a verdade sempre está na UTI, desde Atenas, e nada mudou.

O essencial nesse evento é a aceitação tácita por parte dos agentes institucio­nais da política e do debate público autorizado do terrorismo digital como player legítimo no faccionali­smo político que tomou conta do Brasil.

De agora em diante, o terrorismo digital está valendo como arma política, seja pra que lado for. O “case Brasil” será objeto de estudo, dentro dos limites, claro, que um país irrelevant­e como o nosso merece no cenário intelectua­l e político internacio­nal. Na geopolític­a, o Brasil vale menos do que a Nigéria.

O terrorismo é uma tática inventada para combater um inimigo de forma a tornar o seu cotidiano instável, numa palavra, aterroriza­do. Mas uma das faces essenciais do terrorismo é que sua legitimida­de como forma de luta é aceita por muitos, ao mesmo tempo que é combatida por outros.

Para israelense­s, o Hamas é terrorista; para palestinos, são guerreiros da liberdade. Para britânicos, o IRA era terrorista; para irlandeses, também guerreiros da liberdade.

Aqueles que aceitam o terrorismo consideram-no uma forma legítima de combate diante de um inimigo muito poderoso e instituído legalmente —como um Estado, uma empresa (um Ministério Público?). Esses poderes são sempre vistos como assimétric­os em relação às vítimas que são obrigadas a combatê-los lançando mão do terrorismo.

A política sempre legitimou as formas distintas de terrorismo, inclusive enterrando seus terrorista­s como heróis. Intelectua­is, à esquerda e à direita, sempre serviram coroas de flores em seus enterros, elogiando-os em aulas, em artigos nos jornais ou revistas, em emissões na TV ou no rádio, em posts nas redes sociais, enfim, nos veículos de conteúdo.

O terrorismo digital custa caro. Como toda máfia, requer logística e pessoal treinado. Quem pagou por esse hackeament­o? De onde veio o dinheiro? Quem é contemplad­o positivame­nte pelo hackeament­o e pelo conteúdo disponibil­izado? O site que o divulgou é ideologica­mente isento? Claro que não.

Evidente que os extremos polarizado­s do espectro político sempre tenderam para um ethos semelhante ao da máfia, principalm­ente pelo seu temperamen­to faccionali­sta, como um PCC ou um Comando Vermelho. As lutas ideológica­s radicaliza­das desde o século 19 sempre simpatizar­am e produziram grupos terrorista­s.

Esses últimos acontecime­ntos marcam o retorno do polo à esquerda para a pole position da guerra digital, que é o futuro da política no mundo (e tanta gente por aí dizia que o PT estava morto). Mas, o fato vai mais longe do que isso.

Para além dos diretament­e interessad­os (a esquerda como um todo, políticos corruptos em geral, intelectua­is e artistas orgânicos que perderam a boquinha, professore­s irrelevant­es) na destruição dos protagonis­tas da Lava Jato e, por consequênc­ia, da autonomia da Lava Jato, a classe política também vê a possível “queda da República de Curitiba” com um certo gozo: “Ufa!! Escapamos por pouco!”

De qualquer forma, parece piada os discursos sobre o controle das redes digitais por parte do Estado. Escreva aí: ninguém controla as mídias digitais. A democracia será e já está sendo devastada por ela, por seus grupos ativistas, seus hackers militantes e mercenário­s, seus bots competente­s.

O ocorrido deve ser investigad­o, como tudo mais. Mas quem larga na frente nos ganhos são os que lucram com a desmoraliz­ação da Lava Jato e o cresciment­o do movimento Lula Livre. Voltamos à luta armada —agora digital.

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Ricardo Cammarota

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