Folha de S.Paulo

O mistério cósmico do ovo e da galinha

- Salvador Nogueira folha.com/mensageiro­sideral

Sabemos que toda grande galáxia tem um buraco negro supergigan­te em seu centro. Mas há nesse fato um mistério clássico, no melhor estilo “o que vem primeiro, o ovo ou a galinha?”. É a galáxia que, ao evoluir, gera um buraco negro com milhões de vezes a massa do Sol, ou é o buraco negro gigante e antigo que faz evoluir a galáxia no seu entorno? A resposta a essa pergunta é desconheci­da, e o mais provável é que ela seja similar à do ovo ou da galinha, necessaria­mente prefaciada com as palavras “é mais complicado que isso”.

Na semana passada, a equipe do Telescópio Espacial Hubble divulgou imagens de um bom lugar para procurar pistas para resolver o enigma: a galáxia ESO 495-21, a 30 milhões de anos-luz daqui, na constelaçã­o de Bússola.

Ela é bem pequena, com apenas 3 mil anos-luz de diâmetro (comparados aos 100 mil anos-luz da Via Láctea), e no entanto está formando estrelas num ritmo assustador —mil vezes mais depressa do que na nossa galáxia. Mas o mais interessan­te é que há evidências de que, em seu centro, há um buraco negro supergigan­te com massa de 1 milhão de sóis. É menor que o da Via Láctea (com massa estimada em 4 milhões de sóis), mas ainda assim é proporcion­almente muito grande.

O pequeno porte, a forma indistinta e a produção acelerada de estrelas fazem da galáxia ESO 495-21 um exemplar incomum entre as populações galácticas mais próximas da Terra. Os astrônomos acreditam, contudo, que ela provavelme­nte se sentiria em casa no passado remoto do Universo, onde galáxias pequenas, bagunçadas e com alta taxa de formação estelar (as “galáxias starburst”) deviam ser o feijão com a arroz cósmico.

O fato de que ela, apesar da aparência jovial, provavelme­nte tem um superburac­o negro dá a impressão de que esses objetos surgem bem cedo na história de uma galáxia —se é que não nascem primeiro que ela. O certo é que, uma vez que temos uma galáxia jovem e um superburac­o negro para lhe servir de centro, ambos evoluem de mãos dadas. Os jatos de radiação emitidos pelo disco de gás que circunda o buraco negro ajudam a modular a formação estelar da galáxia em volta, e a presença de matéria galáctica ajuda a alimentar o buraco negro e fazê-lo crescer.

Uma questão em aberto é a de como nascem os buracos negros supergigan­tes em primeiro lugar. Ajuda providenci­al está vindo das detecções recentes de ondas gravitacio­nais, que estão permitindo identifica­r uma população de buracos negros jamais sondada. Pouco a pouco, os astrônomos vão juntando as peças para responder à pergunta que mais nos interessa: como viemos parar aqui?

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